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11 de janeiro de 2011

Dendê: desmatamento e comunidade ribeirinha sob pressão

Conflito rural envolve 150 famílias de ribeirinhos, que reivindicam título de área arrendada pela Palma Amazônia, em Moju (PA). Desmatamento de floresta nativa foi autorizado (e depois suspenso) pelo governo estadual

Por Verena Glass, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis

O Brasil teria 31,8 milhões de hectares disponíveis para o plantio de dendê, de acordo com o Zoneamento Agroecológico da cultura. Desse total, quase 30 milhões de hectares estão na Amazônia Legal.
Para prevenir problemas ambientais e sociais, principalmente o desmatamento ilegal de florestas nativas e o despejo de famílias e comunidades, os governos federal e do Pará (maior estado produtor de dendê do país) adotaram o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, que estabelece limitações geográficas e de manejo para o cultivo.
Um dos itens do acordo é a “vedação de supressão, em todo o território nacional, de vegetação nativa para o plantio de palma”. Ou seja, segundo a regulamentação proposta, o plantio só seria permitido em áreas desmatadas até 2007, indicadas pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); unidades de conservação (UCs) e terras indígenas (TIs) seriam zonas de exclusão do cultivo da palma de dendê.
Apesar do acordo, o governo paraense já autorizou desmatamento para o cultivo de dendê. Em Moju (PA), a Secretaria de Meio Ambiente do estado (Sema) licenciou, em junho deste ano, o desmatamento de 534,5 dos 3,5 mil hectares da Fazenda Santo Antonio I, titulada em nome de José Luis Antunes Martins e arrendada pela empresa Palma Amazônia Florestal Ltda. Localizada às margens do rio Moju, a Fazenda Santo Antonio é habitada há mais de 50 anos por uma comunidade de cerca de 150 famílias de ribeirinhos, que, conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT), pede o reconhecimento de seus direitos sobre a área junto ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa) desde 2008.
Procuradas pelas lideranças da comunidade em meados de 2010, a Associação de Agentes Voluntários Ambientais de Moju (AAVAM) e a CPT tomaram a iniciativa de denunciar a ocorrência de conflito de terras e desmatamento para cultivo de dendê ao Ministério Público Estadual (MPE) e ao Ministério Público Federal (MPF), ao Iterpa, à Sema e ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturaus Renováveis (Ibama).
De acordo com Manoel Benedito da Costa Santos, presidente da AAVAM, os ribeirinhos vem sofrendo pressões por parte de um gerente da Palma Amazônia, que teria afirmado que a área seria usada e teria de ser desocupada. “O gerente também falou que aqueles que quisessem poderiam ficar para trabalhar no projeto do dendê”, conta Manoel.
Procurada pela Repórter Brasil em agosto de 2010, a Sema, que confirmou que a área desmatada se destinará ao cultivo de dendê, se limitou a responder com uma nota, na qual afirma que “concedeu Autorização de Supressão Vegetal e Licença de Atividade Rural (LAR) para a empresa Palma Amazônia Ltda, na Fazenda Santo Antonio I, no município de Moju, obedecendo critérios técnicos e normas jurídicas, dentro da legalidade. A Sema ainda constatou com a presença da fiscalização in loco a inexistência de conflitos agrários/fundiários na área”. De acordo com Manoel, porém, nenhuma visita, vistoria ou fiscalização foi realizada na área antes da licença de desmatamento.

Toras do desmatamento autorizado pela secretaria do Pará para plantio de dendê (Foto: MDA)

Questionado pela Repórter Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), responsável pelo programa de dendê na Amazônia, considerou a situação bastante grave. Por solicitação do coordenador do programa de biocombustíveis do MDA, Marco Antonio Leite, nos dias 7 e 8 de outubro o agrônomo José de Arimatéia Pereira dos Santos, técnico da pasta, foi ao local acompanhado por Manoel e verificou a situação de desmatamento, retirada de madeira e queimada da mata, denunciada pelo presidente da AAVAM.
De acordo com o parecer técnico do agrônomo, “no local contatou-se a atividade de supressão vegetal e queima de floresta tropical em estágio de regeneração (…). Através de georeferenciamento com GPS (localizados via satélite) foi possível estabelecer que aproximadamente 29,90 ha de floresta tropical sofreram processo de supressão e queima na Fazenda Santo Antonio I, correspondendo a aproximadamente 0,84% da área total da propriedade”. Nas conclusões, ele reconheceu que o desmatamento era legal por ter sido autorizado pelo órgão competente.
O mesmo técnico ponderou ainda que “mesmo considerando o Programa de Produção Sustentável de Palma de óleo no Brasil, que através de Projeto de Lei (PL) proíbe a supressão vegetal para a expansão da cultura da palma de óleo, ainda não há amparo legal para proibir desmatamentos, uma vez que o PL ainda se encontra em tramitação”.
À reportagem, Marco Antonio Leite afirmou primeiramente que não poderia “dizer neste momento que a empresa irá usar a área para a produção de palma”, mas depois reconheceu que, independentemente da situação de legalidade do empreendimento no atual estágio, o caso é extremamente prejudicial para o projeto de sustentabilidade da dendeicultura.
O coordenador do MDA também disse compartilhar o estranhamento de que nada se sabe sobre a Palma Amazônia – a Repórter Brasil buscou informações sobre a empresa em todos os órgãos competentes e junto a outros projetos de dendê, mas nenhum dado nem contatos foram apresentados. Apenas foi possível apurar que o nome do dono é Edmar Rufino Borges, residente no mesmo endereço constante como sede da empresa.
“Vamos convocar o sr. Edmar Borges para uma conversa com o Ministério. Até agora, todas as empresas que estão planejando atividades na dendeicultura se apresentaram e conversaram conosco”, anunciou Marco Antonio, representante do MDA. “Sobre a Palma Amazônia, realmente ninguém tem informações. Eles nunca nos contataram”, admitiu.
No que diz respeito ao questionamento acerca dos problemas fundiários envolvendo as famílias que hoje ocupam a fazenda, contudo, Marco Antônio foi evasivo. “No que tange à questão fundiária, ficou claro que a empresa [Palma Amazônia], em reunião com as famílias, manifestou interesse em resolver a situação, e ficou acordada a demarcação e regularização dos lotes através de escritura pública”, afirmou. Este posicionamento se baseia na ata de uma reunião realizada em junho de 2010, na qual o empresário teria afirmado sua disposição de regularizar a situação dos ribeirinhos.

Casas de comunidade na Faz. Santo Antonio I; famílias poderão ser despejadas (foto: MDA)

O Iterpa, no entanto, confirmou que tal afirmativa carece de fundamento, porque não compete a um arrendatário – no caso a Palma Amazônia – intervir sobre a situação legal de um imóvel de terceiros (no caso, o fazendeiro que se apresenta como dono, José Luis Antunes Martins).
Segundo o órgão, que disse desconhecer as reivindicações sobre a posse da área por parte dos ribeirinhos e nega ter recebido qualquer pedido nesse sentido – apesar da existência de documentação que comprova essa solicitação junto ao poder público, em posse da CPT -, a questão fundiária estaria resolvida com a titulação da área para o fazendeiro José Martins, o que deixaria indefinida a situação das 150 famílias.
Suspensão e prisão
A crescente pressão das famílias que vivem no local e das entidades aliadas não foi totalmente em vão. Diante da dificuldade de justificar a autorização de desmatamento – e após conclusão da necessidade de preservação de parcelas reconhcidas como Áreas de Proteção Permanente (APPs) -, a Sema caçou a licença de desmate no final de outubro, por ordem do então secretário do órgão, Anibal Picanço, exonerado em novembro.
Já o ex-secretario adjunto da Sema, Claudio Cunha, responsável pela assinatura da licença de desmatamento para o referido empreendimento de dendê, foi preso pela Polícia Federal (PF) no início de dezembro. Ele e mais dois funcionários são acusados de participar de um esquema de aprovação ilegal de vistorias e de licenças para a exploração de madeira e planos de manejo em troca de propinas pagas por madeireiras.
Confira a íntegra do estudo A agricultura familiar e o programa nacional de biodiesel (PNPB)
Visite o site do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis (CMA)

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