Exploração do trabalho doméstico invisibilizada por relações de afeto
O trabalho doméstico, por sua natureza privada e pela convivência próxima entre empregador e trabalhador, apresenta características que podem favorecer relações em que vínculos pessoais sejam usados para manter controle e dependência. São contextos em que o afeto é usado como moeda simbólica ou instrumento de manipulação, de modo que o aparente cuidado ou integração à família oculte práticas que reduzem ou anulam direitos, tornando mais difícil identificar a exploração.
Em alguns casos, essa relação começa ainda na infância, por meio do trabalho infantil doméstico, proibido no Brasil para menores de 18 anos e reconhecido pela Convenção 182 da OIT como uma das piores formas de trabalho infantil. Quanto mais cedo a inserção e mais longa a permanência, maior a probabilidade de que a vítima considere normal jornadas extensas, ausência de remuneração adequada e restrição de vida social e familiar, confundindo controle e abuso com uma falsa sensação de afeto e cuidado.
Quando, além desse histórico, estão presentes elementos objetivos como restrição de liberdade, jornadas exaustivas, condições degradantes ou retenção por dívida, a situação pode se configurar como trabalho em condições análogas à escravidão, conforme o artigo 149 do Código Penal.
Entre 2017 e 2023, 119 pessoas foram resgatadas de ambientes domésticos com indícios desse crime. Em 2024, 22 operações resultaram em 19 resgates, e a “Lista Suja” de abril de 2025 incluiu 18 casos relacionados ao serviço doméstico.
O enfrentamento exige fiscalização especializada, identificação precoce do trabalho infantil doméstico e a compreensão de que afeto não substitui remuneração nem direitos. Suspeitas podem ser denunciadas anonimamente pelo Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br) ou pelo Disque 100.