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14 de abril de 2010

Articulação reivindica condições de permanência no Semiárido

Participantes do 7º Encontro Nacional da Articulação no Semiárido (EnconAsa), em Juazeiro (BA), discutem alternativas para que as pessoas possam driblar a necessidade de migrar para longe e permanecer nos seus locais de origem

Por Bianca Pyl*

Juazeiro (BA) – “As pessoas chamam aqui de fim de mundo, mas é aqui que eu nasci e é aqui que eu quero permanecer”. Essa frase é da agricultora Maria Joelma da Silva Pereira, do município de Cumaru (PE), agreste setentrional do estado. A história de Maria é como a de muitas pessoas que vivem no Semiárido brasileiro, ela saiu do local onde nasceu para trabalhar na capital Recife (PE) e, como muitos, encontrou mais dificuldades do que tinha no seu local de origem. A diferença é que Maria retornou a Cumaru (PE) há 15 anos e hoje vive “bem”, como faz questão de frisar. Ela e seu marido plantam diversas espécies de verduras, hortaliças, frutas, além de criar diferentes espécies de animais, como galinha, porco, bode e vaca.
Esse sertão produtivo e rico em diversidade é o que o 7º Encontro Nacional da Articulação no Semiárido (EnconAsa) mostrou no final do mês de  março, em Juazeiro (BA). Maria foi uma das participantes do evento, que contou com agricultores de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e Maranhão.
A Articulação no Semiárido (Asa) completou 10 anos e o foco do trabalho da organização está na instalação de cisternas, por meio do Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) e do Programa 1 Terra, 2 Duas Águas (P1+2). Maria Joelma foi uma das beneficiadas do P1MC em 2004 e, desde então, sua produção só tem crescido.
A agricultora conta que em seu município muitos trabalhadores vão embora durante a adolescência em busca de trabalho pela dificuldade de acesso a direitos básicos, como água e educação. “As condições no Semiárido só são ruins se não temos acesso à água e à terra. Tendo isso, somo somos criativos, inovamos e conseguimos nos manter muito bem. Muitas pessoas vão trabalhar na cidade, mas lá a situação é muito pior. É muita exploração no trabalho para ganhar uma miséria e ficar longe da família”.
O aliciamento de trabalhadores em regiões do Semiárido ocorre com frequência por conta da vulnerabilidade social. “O sertão é um local de aliciamento de pessoas para o trabalho escravo. No município de São José de Piranhas (PB), por exemplo, mais de mil pessoas já saíram para trabalhar no corte de cana, no ano passado, na época da safra”, relata Arivaldo Sezyshta, coordenador do Serviço Pastoral do Migrante na Paraíba. Segundo Arivaldo, locais como Pernambuco e Piauí, além de “expulsar” trabalhadores, são locais que recebem muita mão de obra por causa dos canaviais. “E as condições de trabalho, normalmente, são muito ruins, sem equipamentos de proteção, alojamentos precários, baixa remuneração”, complementa.
Na opinião do membro da Pastoral do Migrante, a solução para a permanência das pessoas seria o desenvolvimento local, com foco na agricultura. “Nós percebemos que não resolve irmos com o sindicato visitar canaviais, fazer denúncias ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Isso ajuda, mas não muda o quadro. A solução está na prevenção. Por isso resolvemos integrar a Asa no Estado da Paraíba”, finaliza Arivaldo.
“A saída de trabalhadores para outros locais é constante. Há cerca de um mês saiu um grupo daqui [de Casa Nova (BA)] para cortar cana em Goiás”, lembra Domingos Rocha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas da Bahia (Sintagro-BA). Domingos enfatiza que no Semiárido não existe emprego suficiente e o modelo de desenvolvimento não proporciona progresso para todos.
Outro fator lembrado pelo presidente do Sintagro é a vinda de pessoas de outros Estados para trabalhar em grandes obras, que justamente afetam a vida das comunidades locais. “As condições de trabalho aqui não são boas, há superexploração, péssimas condições e outras violações. O número de fiscais é insuficiente, demora muito fiscalizarem as denúncias”.
Os empregados de grandes obras – como as de irrigação, mineradoras e carvoarias para siderúrgicas – sofrem com a precarização das relações de trabalho. De acordo com Ademilson da Rocha Santos, conhecido como “Tiziu”, coordenador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), os trabalhadores acordam às 3h da manhã para preparar o almoço.
“A comida não é armazenada adequadamente. Imagina ao ser exposta no sol do Semiárido como fica?”, questiona Tiziu. Além disso, os empregados são transportados em caminhões sem a menor segurança. “Há pouco tempo morreram oito trabalhadores em um acidente, estavam em cima de um caminhão indo para o trabalho”, relata.
A proposta de convivência com o Semiárido, lema da Asa, visa trabalhar com as potencialidades locais. “É uma região muito rica, mas alguns aspectos precisam ser trabalhados, como a estrutura agrária, o acesso à água, a educação contextualizada, o protagonismo juvenil, a soberania alimentar. Todas as políticas precisam ser pensadas e estar dentro desta dinâmica”, enumera Tiziu, que foi um dos atingidos com a construção da barragem de Sobradinho, na década de 1970, e teve que se mudar para Juazeiro (BA).
“O Semiárido é rico, tanto em espécie animal quanto vegetal, ervas com valor medicinal ´do tamanho do mundo´. Frutas como o umbu, proporcionam trabalho para muitas famílias sobreviverem”, completa. Essa riqueza exaltada por Tiziu pôde ser vista durante na 1ª Feira de Saberes e Sabores do EnconAsa, com produtos feitos no Semiárido brasileiro.
Educação contextualizada
O Semiárido é a região com maior dificuldade na formação educacional de crianças e jovens. Concentra metade da população de analfabetos acima de 15 anos e apresenta altos percentuais de evasão escolar, de acordo com o relatório “Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Muitas escolas acabam contribuindo para a construção da imagem do Semiárido como um lugar de atraso e de falta de oportunidades para os próprios alunos que residem na zona rural. O currículo escolar não leva em conta a realidade local. “A educação formal diz para as crianças que se elas querem ter sucesso, devem sair do sertão. Isto é, a educação ajuda a destruir a autoestima das crianças e estimular a migração ao invés do desenvolvimento local”, explica José Edson de Albuquerque de Araújo, coordenador da Cooperativa de Assessoria e Serviços Múltiplos ao Desenvolvimento Rural (Coopervida), integrante da Asa no Estado do Rio Grande do Norte.
Segundo a secretária executiva da Rede de Educadores do Semiárido Brasileiro (Resab), Vera Carneiro, 1.560 escolas do Semiárido trabalham atualmente com a proposta de educação contextualizada, beneficiando 28 mil crianças e adolescentes. Duas dessas experiências realizadas na Bahia foram visitadas por participantes do 7º EnconAsa: a Escola Rural de Massaroca, localizada em Juazeiro (BA) e as Hortas Pedagógicas nas escolas desenvolvidas no distrito de São Bento, em Curaçá (BA).
“A educação contextualizada é aquela que tem um currículo que trabalha elementos do contexto em que as crianças e suas famílias vivem. Isto é, resgata os valores e os elementos presentes nas comunidades. Não significa que as pessoas vivem fechadas. Elas estão abertas as novas tecnologias, por exemplo. É preciso fazer a ligação entre as áreas de conhecimento com a realidade local, isso dá a opção de permanência [no Semiárido], mas não garante”, explica o coordenador da Coopervida.
Há 15 anos, produtores da região de Massaroca, distrito de Juazeiro (BA), em pleno sertão baiano, resolveram investir em uma escola que de fato trouxesse para os seus filhos o aprendizado a partir de sua realidade local. Por meio de parcerias, conseguiram implementar a Escola Rural de Massaroca. “Os agricultores contaram durante a visita dos participantes do evento que sentiam necessidade de uma escola que pensasse a comunidade e não o que o Estado oferecia”, relata Vera Carneiro, da Resab.
A comunidade foi responsável pela elaboração do projeto pedagógico, em parceria com os educadores, e também pela construção da estrutura física da unidade de ensino. A escola atende cerca de 200 alunos desde a Pré-Escola até o Ensino Médio, e pretendem implementar a Educação de Jovens e Adultos.
A metodologia adotada considera três momentos no processo educativo: observar a realidade, compreender a realidade e transformar a realidade. Dessa forma, vem contribuindo para o desenvolvimento local das comunidades da região. Estudos de realidade são feitos anualmente, com os alunos do Ensino Fundamental. Cada ano, uma comunidade é escolhida para que os conteúdos da grade curricular sejam iniciados com base na realidade local.
A partir dos estudos de realidade, muitos projetos foram introduzidos, como projetos ligados a organização da juventude, saúde da mulher, organização comunitária, criação de galinhas, horta comunitária, manejo do rebanho, manejo da caatinga e muitos outros, hoje há grandes possibilidades de implementação de uma cooperativa de beneficiamento de produtos locais, tendo como ponto forte o umbu.
No local, também foi montado o Museu da Casa de Farinha, que retrata a identidade da comunidade. “Foi feito um resgate da identidade local, das cantigas antigas, da cultura de uma maneira geral”, relata Vera. A escola possuiu um laboratório de informática, mas ainda sofre com a ausência de material didático mais contextualizado para as comunidades.
Vulnerabilidade ambiental
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) divulgou ano passado que 26 mil km de Caatinga foram destruídos nos últimos 3 anos. Essa destruição está relacionada ao preconceito em relação a esse bioma, na opinião de Naidison Baptista, coordenador estadual da Asa na Bahia.
“Nós da Asa trabalhamos no âmbito educacional, para a preservação. Mas percebemos que nadamos contra a corrente porque os megaprojetos é que acabam com o bioma. E tudo isso com apoio e, algumas vezes, até de financiamento do governo federal e estadual. As políticas públicas não respeitam a Caatinga”, critica Naidison. Ele se refere à construção de barragens, carvoarias, siderúrgicas, fazendas de pecuária, mineradoras, monoculturas para produção de agrocombustíveis.
Pesquisa recente com 150 jovens, em 7 municípios de Pernambuco, mostrou que 55% afirmaram que queriam permanecer se tivessem trabalho, de acordo com Aldo Santos, da coordenadoria executiva da Asa.
A organização tem trabalhado nos últimos 10 anos com o conhecimento que associações e agricultores construíram em 30 anos. “A água como mercadoria e moeda de troca em época de eleição ainda é uma realidade por aqui”, destaca Aldo. O método de instalação de cisternas é simples, fácil de replicar e funciona de forma descentralizada, acrescenta, “justamente para atacar essa lógica de centralizar a posse da água”.
“O discurso que se adequa é o de dar oportunidade de escolha de permanecer e não ser impelido a migrar pela questão econômica”, finaliza José Edson de Albuquerque de Araújo, coordenador da Coopervida.
*A jornalista viajou para Juazeiro (BA) a convite da organização do 7º Encontro Nacional da Articulação no Semiárido (EnconAsa)

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