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6 de janeiro de 2016

Artigo – Trabalho escravo, 2015: recuo dos números, crescimento das ameaças

O ano de 2015 que começara com a suspensão da Lista Suja -em decorrência de decisão liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, tomada no final de 2014 a pedido das grandes construtoras e mantida até hoje -encerrou com graves preocupações quanto à continuidade da politica brasileira de combate ao trabalho escravo, alvo também de seríssimas ameaças no Congresso.
Em 2015, cerca de 1000 trabalhadores/as foram resgatados da escravidão – um número em nítida redução se comparado à média dos 4 anos anteriores (2260) e ainda inferior de um terço ao de 2014 (1550). Essa queda é paradoxal, pois ocorre no exato momento em que parte dos congressistas – no afã de reduzir mais e mais direitos –estão querendo aprovar a revisão para baixo da definição legal do trabalho escravo, alegando que o conceito atual enunciado no artigo 149 do Código Penal – em vigor desde 2003 e parabenizado internacionalmente – abre a porta a exageros, arbitrariedade e insegurança jurídica.
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Em que pese a diminuição dramática nos últimos anos do efetivo de auditores fiscais em atividade (por falta de recrutamentos à altura das necessidades), a baixa frequênciada autuação do trabalho escravo demonstra exatamente o contrário: entre os 6826trabalhadores alcançados em 2015 pelas 125 operações executadas pelo Grupo Móvel nacional e pelos auditores especializados das Superintendências regionais, em 229 estabelecimentos fiscalizados, apenas1 em cada 7 foi considerado em condições análogas às de escravo.Os fiscais justificam que trabalho escravo é muito mais que tal ou tal infração isolada: é a soma de tamanhas violações à dignidade ou à liberdade da pessoa, literalmente reduzida a mero objeto, que elas acabam colocando em grave risco sua integridade ou mesmo sua vida.
Segundo dados ainda parciais, os estados que lideraram o ranking dos 104 casos de trabalho escravo identificados em 2015 pela CPT, foram: MG (17), MA (10), RJ (10), PA (9), TO (8), MT (7), SP (6), SC (6), RS (5), CE (4), AM (4), BA (4), RO (4), PI (3), PR (3), GO (3), RO (1).
As principais atividades que se beneficiaram da prática do trabalho escravo em 2015 foram: a construção civil (243 resgatados), a pecuária (133) e o extrativismo vegetal (114, sendo52 no PI e 37 no CE), atividade esta na qual comunidades de proximidade são exploradas em regime de aviamento por patrões e patrãozinhos, como ocorre ainda muito também no interior da Amazônia. Na prática do trabalho escravo em geral, as atividades econômicas ligadas ao campo predominaram, sobre as atividades urbanas,por pouco, no entanto (o peso importante da escravidão em atividades não rurais se verifica, por exemplo, na participação elevada da grande região Sudeste no total dos resgates: 39%).
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Segundo análise da DETRAE, a Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho, o perfil atual das vítimas é de jovens do sexo masculino, com baixa escolaridade e que tenham migrado internamente no Brasil. 621 são homens, em sua maioria entre 15 e 39 anos (489), com ganhode até 1,5 salário mínimo (304); 376 deles são analfabetos ou com até o 5º ano do Ensino Fundamental; 58 são estrangeiros. Doze trabalhadores encontrados tinham idade inferior a 16 anos, enquanto 24 tinham entre 16 e 18 anos.
No finalzinho do ano, poucos dias após a entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos à companheira Brígida Rocha, militante da Campanha De Olho Aberto no CDVDH/CB de Açailândia, MA, uma pronta mobilização permitiu evitar,no Senado,a votação-relâmpago do Projeto de Lei que – sob pretexto de regulamentar a emenda constitucional do confisco da propriedade dos escravistas – propõe eliminar os principais elementos caracterizadores do trabalho escravo, ou seja: os que remetem à violação da dignidade da pessoa (as condições degradantes e a jornada exaustiva). No mesmo dia, 15 de dezembro, foi firmado um termo de cooperação entre MTPS (Ministério do Trabalho e da Previdência Social) e MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) que deve facilitar o acesso a programas públicos por parte dos trabalhadores egressos do trabalho escravo ou em situação de grande vulnerabilidade a esse risco. Neste sentido também trabalha a Campanha Nacional da CPT -De Olho Aberto para Não Virar Escravo–através da construção do novo programa RAICE (Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão), já em fase inicial nos estados do MA, PA, PI e TO, com foco na quebra do ciclo da escravidão.
Por fim, merece destaque a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), anunciada em março de 2015, após 17 anos de tramitação, de levar à Corte Interamericana de San José de Costa Rica, para julgamento, o caso da Fazenda Brasil Verde, uma representação contra o Estado brasileiro,protocolada em… 1998 pela CPT,junto com o CEJIL. Nesta fazenda do Pará, entre 1988 e 1998, e ainda nos anos subsequentes, ocorreram vários episódios de trabalho escravo e sucessivas fiscalizações em relação às quais o Estado assumiu postura contraditória, essencialmente omissa. Tudo foi documentado pela CPT. Na época, cerca de 280 trabalhadores, principalmente do Piauí, foram alcançados por essas fiscalizações. Se assim sentenciada pela Corte, após as audiências marcadas para fevereiro de 2016, a condenação do Estado, além de proporcionar uma reparação material às vítimas, poderá ensejar medidas mais efetivas de políticas públicas e de atuação repressiva no combate ao trabalho escravo, uma solução que os peticionários (CPT e CEJIL) tentaram obter por via de um acordo longamente negociado, masfinalmente negado pelo Estado.
Artigo de Xavier Plassat (Comisão Pastoral da Terra), 30/12/2015.

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