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24 de junho de 2009

Crise reanima agenda do trabalho decente em nível federal

Integrantes do governo federal, de entidades patronais e de representações dos trabalhadores têm mantido encontros para negociar as metas finais do Plano Nacional de Trabalho Decente (PNTD), que deve ser lançado este ano

Por Maurício Hashizume

São Paulo (SP) – Passados seis anos do primeiro memorando de entendimento assinado entre o governo federal e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ações coordenadas de promoção do trabalho decente no Brasil começam finalmente a ganhar forma. O primeiro compromisso, firmado em junho de 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo diretor-geral da OIT, Juan Somavia, delineava um programa especial de cooperação técnica, destacava a centralidade de determinadas políticas públicas e previa a criação de um comitê executivo responsável pela execução das propostas.
Somente no último dia 4 de junho, o decreto que cria o Comitê Executivo Interministerial, previsto no memorando de 2003, foi publicado. Fazem parte do grupo 18 ministérios (incluindo cinco Secretarias Especiais) – inclusive o da Fazenda e a Secretaria-Geral, confirmadas pelo ato presidencial.
Representantes do governo federal, do setor patronal e dos trabalhadores têm mantido encontros para negociar responsabilidades e metas finais do Plano Nacional de Trabalho Decente (PNTD), que buscará efetivar a Agenda Nacional do Trabalho Decente, consolidada ainda em 2006. As três prioridades eleitas pela articulação tripartite apareceram na Declaração da Delegação Brasileira presente à 98ª Conferência Internacional do Trabalho, divulgada em Genebra, na Suíça, em 15 de junho: gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento; erradicar o trabalho escravo e o trabalho infantil, especialmente nas suas piores formas; e fortalecer o diálogo social como instrumento de governabilidade democrática.
A ameaça aos postos de trabalho, agravada pela crise internacional, explica em grande medida esse “reaquecimento” da agenda do trabalho decente. “No atual momento, marcado pelos impactos da crise econômica internacional sobre as economias e os mercados de trabalho de todos os países, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Diretor Geral Juan Somavia concordam que a promoção do emprego de qualidade para homens e mulheres, a extensão da proteção social, o respeito aos princípios e direitos fundamentais do trabalho e o diálogo social, no marco do Programa de Trabalho Decente da OIT, constituem um conjunto eficaz de políticas para responder à crise econômica atual”, coloca a declaração assinada pelas autoridades, também divulgada no bojo da 98ª Conferência, que comemorou os 90 anos da OIT.
Nos anexos da mesma declaração conjunta, há uma previsão de que o PNTD seja apresentado à sociedade em 180 dias. Por ora, 12 resultados já foram pactuados. Uma dessas resoluções diz respeito a investimentos públicos e privados, incluindo estímulos fiscais, a alguns setores estratégicos (intensivos em mão-de-obra e ligados ao desenvolvimento sustentável) com o intuito de “gerar mais e melhores empregos”. Empreendimentos para a melhoria e conservação da qualidade ambiental, micro e pequenas empresas, iniciativas de economia solidária e agricultura familiar estão entre os setores escolhidos.
No tocante ao combate à escravidão contemporânea e o trabalho infantil, o PNTD reforça a necessidade de implementar, monitorar e avaliar o 2º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, assim como o cumprimento de outros dois planos nacionais (de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes).
Iniciativa singular no mundo, o Plano Nacional de Trabalho Decente assumirá metas e prazos para dois marcos: 2011, quando se encerra o Plano Plurianual (2008-2011), e 2015, ano-referência da Agenda Hemisférica do Trabalho Decente nas Américas (que também define metas mais genéricas para 23 países da região). Estão sendo estudadas, por exemplo, a fixação de porcentagens para o aumento de investimentos na geração de empregos – 20% para 2011 e 50% para 2015, bem como formas de contabilizar o cálculo relativo do volume de investimentos para empregos efetivamente gerados.
Empregos verdes
O PNTD fez parte da apresentação da representante da OIT no Brasil, Janine Berg, durante a Conferência Internacional Ethos 2009, realizada na semana passada na capital paulista. Mesmo antes da crise, advertiu Janine, os trabalhadores já sofriam com o “desemprego estrutural”. Ela lembrou, porém, que a estimativa mais pessimista prevê o desaparecimento de até 50 milhões de empregos em função da crise econômica.
Preocupada com esse quadro temeroso, a OIT lançou o Pacto Mundial pelo Emprego, que enfatiza a necessidade de proteção dos postos de trabalho e foi apoiado substancialmente pelo governo brasileiro em Genebra. De acordo com levantamentos preliminares, apenas 9,2% do valor total dos pacotes de socorro financeiro emergencial tratam diretamente da assistência direta aos trabalhadores desempregados e tão somente 1,8% se refere à criação direta de empregos. “A crise não pode ser desculpa para enfraquecer os direitos dos trabalhadores”, completou Janine Berg.
A redução da jornada (que pode facilitar a ampliação de vagas) e as políticas de seguro-desemprego também foram defendidas pela representante da OIT. Estudos mostraram que o Produto Interno Bruto (PIB) do Estados Unidos seria 15% menor se não fosse o seguro-desemprego, instrumento relevante para que o país pudesse enfrentar as cinco recessões ocorridas de 1969 a 1993. Além da desaceleração econômica, mais de 130 mil postos se perderiam não fosse a proteção social. O Brasil é um dos cinco países da América Latina que mantém políticas de seguro-desemprego.
Janine reforçou ainda, com um outro exemplo dos EUA, a importância dos chamados “empregos verdes” (green jobs) – conectados a setores, padrões e cadeias ambientalmente mais sustentáveis. Durante o New Deal (1933-1942) – plano de intervenção estatal para recuperação econômica após a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929 e o consequente período, a partir de 1930, conhecido como Grande Depressão -, o governo norte-americano apostou no Corpo de Conservação Civil, que mobilizou recursos e pessoas em grande escala para a construção de áreas verdes, para a consolidação de unidades de conservação ambiental em diferentes níveis e para o combate à erosão. Lançado em setembro do ano passado, o relatório mundial da OIT e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) sobre os “empregos verdes” destaca, por exemplo, o alcance e o potencial dos catadores e de projetos de reciclagem de lixo urbano no Brasil.
Momento de reflexão
Para Artur Henrique da Silva Santos, presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que também esteve na mesa sobre trabalho decente da Conferência Ethos 2009, a crise proporcionou um “momento de reflexão”, que trouxe questões novas e recolocou temas antigos em discussão. Nesse sentido, ele interpretou a crise como “oportunidade” para superar dogmas (como a de que “o mercado vai resolver tudo”) e para repensar os modelos de produção e consumo. “Digo isso inclusive para os meus colegas metalúrgicos: não dá para continuar produzindo 3,5 milhões de carros por ano”, declarou o presidente da maior central sindical com atuação no país.
Os impactos econômicos, ambientais e sociais das atividades econômicas não podem mais ser menosprezados, analisa Artur. O dirigente sindical enfatizou que o diálogo social entre governo, empregadores e empregados é essencial não só para manter os postos de trabalho já existentes, mas para criar novos empregos que causem menos impactos.
A responsabilidade social empresarial era vista com desconfiança pelos sindicatos, admitiu Artur. O tema era entendido como “problema interno”, como pura ação de marketing para promoção comercial ou como meio politicamente correto de confundir e desmobilizar o trabalho das lideranças. Hoje, garantiu o presidente da CUT, a questão se tornou um instrumento de ação sindical. Segundo ele, a relação da empresa com a sociedade como um todo é um ponto-chave e deve ser entendido de modo amplo. “Quando estava tudo bem com a economia e havia mais espaço para esses temas, muitos se disseram interessados com a responsabilidade social empresarial. Agora, com a crise, vamos ver quem realmente está comprometido”.
Houve empresas, denunciou o sindicalista, que vinham muito bem nos últimos anos e aproveitaram a crise para fazer ajustes estruturais e, logo no primeiro momento, demitiram sumariamente trabalhadores. Até por conta de casos como esses, Artur defendeu mudanças na legislação – como a adesão à Convenção 158 da OIT, referente a demissões imotivadas. Em 2008, 16,5 milhões de pessoas foram contratadas e 15,2 milhões, demitidas. O saldo anual (1,3 milhão de novos postos de trabalho) não deixa de ser significativo, mas a taxa de rotatividade no Brasil atinge níveis altíssimos: 62% dos demitidos em 2008 tinham menos de um ano de serviço.
“O Estado não existe apenas para salvar bancos e empresas”, criticou Artur. Ele propôs o acerto de “contrapartidas” sociais (como garantia de empregos de qualidade e adoção de padrões mais sustentáveis) para operações com recursos públicos como os financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Na opinião do presidente da CUT, o momento é importante para debater inclusive a própria atuação do movimento sindical. Ele sugeriu medidas no sentido da descentralização – como o reconhecimento das comissões de fábricas, para aproximar ainda mais o movimento com a base, intensificar a fiscalização, a transparência e o controle social – com vistas a diminuir o volume do passivo trabalhista. São 2,3 milhões de processos na Justiça do Trabalho, cerca de 80% relativos à jornada de trabalho e às horas extras.

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