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20 de maio de 2010

Egressos do trabalho escravo concluem curso no Mato Grosso

Libertados de área da Ecomax em Rosário Oeste (MT), trabalhadores passam por capacitação profissional para superar vulnerabilidade. Mais de um ano após a operação fiscal, porém, ainda não receberam direitos trabalhistas

Por Bianca Pyl

A história do casal Jorge e Lidiana têm tudo para se encerrar com um final feliz. Libertados em março de 2009 da Fazenda Lagoa Azul, no município de Rosário Oeste (MT), os dois participam de curso profissionalizante especial para a reinserção de egressos do trabalho escravo.
Mais de um ano após a operação fiscal, entretanto, Jorge Augusto de Souza, 22 anos, e Lidiana Domingas da Silva Valverde, 20, ainda não receberam as verbas rescisórias e todos os direitos referentes ao antigo emprego.
Jorge trabalhou por dez meses plantando mudas de Pau-de-Balsa na Fazenda Lagoa Azul, propriedade da empresa Ecomax Agroflorestal e Pecuária Ltda. – parte do grupo mineiro Camargos Quintela Gestão Empresarial. O jovem foi convidado por um amigo que já trabalhava na fazenda e deixou a pequena Jangada (MT) para trás. “Fui porque na minha cidade não tem opção de emprego e eu estava precisando muito do dinheiro. Eu não tinha qualificação nenhuma. Então, não tinha alternativa”, relata.
Quando chegou à fazenda, Jorge encontrou alojamentos precários. “Eu dormia em rede. No abrigo que nós dormíamos havia muito bichos. Mas eu fiquei trabalhando porque a gente estava recebendo o salário em dia”.
Márcio Siqueira da Silva, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MT), conta que os alojamentos eram muito ruins: sem proteção (eram abertos dos lados), sem conforto e sem higiene adequados. Outro problema enfrentado pelas vítimas era a falta de água potável; eles consumiam água era retirada de um rio, próximo à fazenda.
Não havia controle da jornada de trabalho, segundo apuração dos auditores fiscais responsáveis. Os empregados trabalhavam das 7h às 19h, sem o pagamento de horas extras. Jorge reclama também da alimentação, que “era muito ruim mesmo”. Os empregador também não fornecia nenhum tipo de equipamento de proteção individual (EPI).
Lidiana chegou à mesma propriedade em dezembro de 2008, seis meses depois de Jorge. A jovem estava seis meses desempregada e decidiu encarar o risco de aceitar a proposta de trabalho na fazenda. “Quando fui para a Lagoa Azul, não sabia que seria um trabalho tão pesado. E também não sabia que eles enrolavam tanto para pagar nosso dinheiro”, declara.
A jovem só recebeu salário no primeiro mês. “Era só R$ 300. Não valia a pena se matar de trabalhar e, no final do dia, não ter nem onde descansar direito”. Havia ainda outras mulheres. Nos primeiros dias, elas dormiam em um quarto na sede da fazenda. Depois, foram deslocadas para o alojamento junto com os homens. O trabalho pesado e a situação de precacriedade das instalações não impediram que Jorge e Lidiana começassem a namorar ali mesmo.
Em dezembro de 2008, o empregador deixou de pagar os salários dos trabalhadores. “Nós recebíamos ameaças que, se buscássemos nossos direitos, acabaríamos ficando sem receber nada”, detalha Jorge. E foi o que de fato aconteceu: a empresa não efetuou o pagamento nem pelos três meses de serviços prestados. Até hoje, as vítimas receberam três parcelas referentes ao Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado.
Um mês antes da inspeção da SRTE/MT e da Procuradoria Regional do Trabalho da 23ª Região (PRT-23), cerca de 60 trabalhadores trabalhavam na fazenda. De acordo com Jorge, a maioria se evadiu por causa da falta de pagamento. No momento da fiscalização, apenas 11 permaneciam no local
Em consequência da fiscalização, o Ministério Público do Trabalho (MPT) moveu uma ação civil pública e uma ação civil coletiva contra a empresa Ecomax. O processo tramita na Vara do Trabalho de Diamantino (MT). Audiência sobre o caso estava marcada para esta quinta-feira (20).
Reinserção
Jorge diz conhecer muitas outras pessoas que foram escravizadas. “Eu tenho vários amigos que trabalharam em locais com essa mesma situação, mas fazer o quê? O povo não tem qualificação, não tem opção de serviço bom”.
O casal acredita que suas vidas poderão mudar após a conclusão do curso profissionalizante, do Projeto de Qualificação de Alunos Egressos do Trabalho Escravo e ou em Situação de Vulnerabilidade, da SRTE/MT, em parceria com organizações da sociedade civil, Secretaria Estadual de Assistência Social e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
“Antes, a gente não tinha condições de procurar emprego bom. Está sendo ótimo. Eu recebo uma bolsa para estudar. Além do mais, tem uma empresa que assinou contrato com a gente”, declara Jorge. Lidiane completa: “Agora eu vou terminar o ensino médio e também ter uma profissão. Assim, nunca mais vou precisar me sujeitar a nenhum trabalho degradante”.
Apesar de constar no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, iniciativas de reinserção de egressos do trabalho escravo ainda são raras. “Em muitos lugares, não saem do papel”, coloca Eliana Vitaliano, do Centro Pastoral para Migrantes (CPM) de Cuiabá (MT), que faz parte da Comissão Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso (Coetrae/MT).
Eliana se refere à meta 32 do II Plano Nacional Para Erradicação do Trabalho Escravo: “Implementar uma política de reinserção social de forma a assegurar que os trabalhadores libertados não voltem a ser escravizados, com ações específicas voltadas a geração de emprego e renda, reforma agrária, educação profissionalizante e reintegração do trabalhador”. A responsabilidade pela execução da meta é dos governos federais, estaduais e municipais. O CPM hospeda os jovens que participam dos cursos pioneiros no Mato Grosso, já que a maioria mora no interior do estado.
O projeto começou a ser pensado há três anos, durante as reuniões da Coetrae. “Percebíamos que um trabalhador era libertado e poucos meses depois era encontrado na mesma situação. Tínhamos que dar um passo a mais e esse passo está sendo dado com esse projeto”, aponta Eliana.
Um total de 48 trabalhadores estão sendo beneficiados: 17 deles no projeto de Ensino Básico e Ensino Profissional. São oito meses de curso, que termina exatamente nesta sexta-feira (21). Depois, os alunos farão estágios em empresas no interior. “Inclusive, 19 já estão trabalhando com carteira assinada”, acrescenta Rosane Cintra Belém, da SRTE/MT. Os trabalhadores ganham um salário mínimo por mês durante o período do curso.
Os alunos que fazem parte do programa foram identificados por meio de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado. O projeto trabalha vinculado com a Coordenação de Combate ao Trabalho Escravo da SRTE/MT. “Quando a equipe de auditores fiscais vai a campo para averiguar a denúncia, a equipe do projeto já começa a tomar conhecimento dos fatos. Após o resgate e da coleta de informações pelos auditores, o Conselho de Referência de Assistência Social (Cras) do município onde está sendo feita a fiscalização é contatado. Com os dados desses trabalhadores em nosso poder, começamos então a inserção dos mesmos no programa”, explica Rosane. “Também são feitas abordagens com trabalhadores vulneráveis que já trabalharam na mesma situação, mas não foram encontrados pela ação fiscal”.
Além de capacitar para o mercado de trabalho e elevar o nível educacional dos trabalhadores, o projeto também tem uma característica que os movimentos sociais que participam da iniciativa acreditam ser fundamental: o exercício de cidadania. “O trabalhador e a trabalhadora tem que ser protagonista desta história”, conclui destaca Eliana, do CPM. “Nós temos jovens que saíram de situação extrema. Um deles ficou em um local de difícil acesso por vários meses sem alimentação adequada. Comia apenas mel e farinha. São situações que deixam a pessoa em estado de desmotivação”.
Os cursos oferecidos pelo programa são realizados no Senai. As opções são: Eletricista em Manutenção Industrial, Eletricista de Distribuição, Corte e Costura, Mecânica de Motos, Operadores de Máquinas Agrícolas e Soldagem com Eletrodo Revestido. Corte e Costura, Eletricista de Distribuição, Operadores de Máquinas Agrícolas e Soldagem com Eletrodo Revestido.
Repórter Brasil entrou em contato com a empresa Camargos Quintela por telefone e foi informada que o responsável pela Ecomax entraria em contato com a reportagem, o que não aconteceu até o fechamento da matéria.

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