Empresa ferroviária pagará R$ 15 milhões por trabalho escravo flagrado em 2010
O Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo (TRT-SP) manteve a condenação da companhia ferroviária ALL América Latina Logística em R$ 15 milhões por trabalho escravo. O relator do caso foi o desembargador Antero Arantes Martins. A empresa foi processada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) após o resgate de 51 trabalhadores em um alojamento no município Embu-Guaçu e no alojamento e frentes de trabalho da Estação Ferraz (SP), em novembro de 2010.
O TRT negou recurso ajuizado pela empresa contra a sentença da juíza do Trabalho Maria José Bighetti Ordoño Rebello, da 1ª de Vara do Trabalho de Itapecerica da Serra (SP). A pedido do MPT, a decisão, dada em 2014, fixou o pagamento de indenização por danos morais coletivos.
“A empresa alegou desconhecimento e atribuiu a responsabilidade a uma empresa quarteirizada (terceirizada que contrata outra terceirizada). Ocorre que os fatos aconteceram em seu canteiro de obra, por mais de um mês, à luz do dia, diante de seus supervisores. Chamamos isso de cegueira deliberada”, afirmou o procurador do Trabalho Luiz Carlos Michele Fabre, um dos responsáveis pela ação civil pública. Os procuradores João Filipe Lacerda Sabino, Maria Beatriz Brandt e Ana Elisa Segatti também atuaram no processo.
A Justiça determinou ainda que a All regularize a situação trabalhista de todos os empregados terceirizados ou não, corrija os locais de trabalho de acordo com as normas de segurança e higiene vigentes e forneça meios de transporte, equipamento e alimentação adequados. Em caso de descumprimento, será cobrada multa de R$ 100 mil por trabalhador prejudicado. A empresa também é obrigada a fiscalizar toda a sua cadeia de prestação de serviços em busca de irregularidades trabalhistas, sob pena de multa de R$ 100 mil.
Histórico – Acionados pelo MPT, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e policiais foram ao local e resgataram 51 trabalhadores isolados na mata, impedidos de ir até a cidade e manter qualquer contato externo. Eles trabalhavam na conservação de linhas férreas exploradas e mantidas pela All, que é concessionária de serviço público. A empresa alegou que as irregularidades encontradas eram de responsabilidade somente da Prumo Engenharia, empresa terceirizada que aliciara os trabalhadores na Bahia e em São Paulo.
Segundo os relatos dos resgatados, eles eram impedidos de embarcar no único transporte que havia no local para a cidade, tinham de caminhar diariamente cerca de 2 horas até as frentes de trabalho, além de serem trancados no alojamento pelo lado de fora durante a noite em diversas ocasiões. Jornadas extensas, que chegavam às 70 horas semanais (um dos entrevistados pelos fiscais relatou ter trabalhado por 22 horas seguidas), também eram comuns.
Os alojamentos não tinham água potável, chuveiro, lavatório, nem depósito de lixo. Os homens faziam as necessidades na mata, e um deles relatou que vira diversos trabalhadores adoecerem sem receber qualquer tratamento, apoio humanitário ou transporte para posto de saúde da região. Em regra, não havia direito ao descanso nos finais de semana, nem mecanismo de registro da jornada de trabalho.
Violência e descaso – Conforme relatos, os trabalhadores ainda sofriam ameaças e agressões físicas e verbais, e eram intimidados por homens armados. Em depoimento, o ajudante permanente de ferrovia P.S.J. relatou que, quando um grupo de empregados foi reclamar com um superior do atraso de salários, ouviram a seguinte resposta: “Não devo nada para vagabundo nenhum, se vierem reclamar aqui vou mandar a polícia baixar o pau em vocês”. Quando um deles insistiu em receber o salário, segundo o depoimento, foi agredido a cotoveladas.
“Ao chegar em um dos alojamentos, a equipe da fiscalização se deparou com o trabalhador E. A. M. sofrendo seguidas convulsões decorrentes de epilepsia, sem que recebesse qualquer socorro por parte da All. A auditora fiscal do Trabalho Teresinha Aparecida Dias Ramos, médica do Trabalho e socorrista, integrante da equipe de inspeção, prestou atendimento de emergência ao trabalhador”, relatou o procurador do Trabalho João Filipe Moreira Lacerda Sabino, que acompanhou o caso. O funcionário foi levado pela equipe de resgate a um hospital no Grajaú, em São Paulo, onde ficou internado por seis dias.
Fonte: MPT
Imagem: Pixabay