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4 de fevereiro de 2009

Escravidão de jovem "compensa" dívida de mãe

Sem condições de pagar “empréstimo” ao gerente de fazenda, mãe deixa filho adolescente trabalhando “de graça” na plantação de tomate. Junto com ele, outras 19 pessoas eram exploradas em condições análogas à escravidão

Por Bianca Pyl

Para saldar uma “dívida” com o gerente da fazenda onde plantava tomates em Santa Catarina, uma mãe largou o filho de apenas 16 anos trabalhando em condições análogas à escravidão como forma “pagamento” aos patrões. Depois de passar cinco meses recebendo somente “vales” (no valor de R$ 50 a cada mil pés de tomates plantados) para fazer compras num mercado indicado pelos empregadores e pegar R$ 700 emprestado, a mãe do adolescente resolveu deixar a lavoura no início de 2009.
Por ter deixado o trabalho sem concluir o plantio de tomates para a próxima safra, ela saiu da propriedade em Lebon Régis (SC) sem receber nada. O próprio filho dela, então, permaneceu na labuta como forma de pagar a quantia devida. O empréstimo (R$ 700) contraído pela lavradora foi utilizado para a compra de uma moto, que logo depois foi trocada por uma geladeira e outros objetos domésticos. “A mãe não quis abrir mão da geladeira e dos objetos. Ela preferiu deixar o filho trabalhando para que a dívida fosse paga”, explica Luize Surkamp, auditora fiscal do trabalho que coordenou a ação, iniciada em 19 de janeiro e concluída na quarta-feira passada (28).
Em entrevista à Repórter Brasil, o adolescente, que nunca freqüentou a escola, disse que a dívida era dele. Os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) constataram, porém, que a dívida era mesmo da mãe. O jovem pretendia pegar o dinheiro do seguro-desemprego no final da safra (sem nenhum tipo de salário até lá), previsto para abril, e voltar a morar com pai, que é caseiro numa fazenda no município de Costa Matos (SC).
Outros 19 trabalhadores estavam submetidos às mesmas condições de trabalho escravo na propriedade de plantação de tomate. Inicialmente, o produtor Osnir Linz se apresentou como empregador, pois era ele quem havia assinado a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos funcionários.
Contudo, a equipe fiscal iniciou uma investigação para chegar ao real empregador. Por meio de notas fiscais, ficou comprovado que Osvaldo Batista, um dos sócios da Iguape Comércio de Legumes LTDA, que mantém um estabelecimento na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), havia financiado toda lavoura de tomate e era o real empregador. “Encontramos notas de compras das sementes, dos adubos e de óleo para os tratores, entre outras coisas, em nome de Osvaldo”, conta Guilherme Kirtschig, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) do ofício de Joaçaba (SC), que integrou o grupo móvel.
Osvaldo Batista se deslocou até Santa Catarina no dia 23 e assumiu os vínculos empregatícios. Segundo Guilherme, o comerciante disse que não tinha conhecimento da situação dos trabalhadores e só aceitou financiar a lavoura porque Osnir não tinha condições para iniciar a plantação. O empresário assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual se compromete a pagar os salários atrasados dos trabalhadores, mais as verbas rescisórias e também uma multa por dano moral individual. Os pagamentos foram feitos na segunda-feira passada (26) e totalizaram R$ 87 mil.
O comerciante também está analisando um outro TAC no qual há o compromisso de não desrespeitar a legislação trabalhista e também não comprar de fornecedores que utilizem mão-de-obra escrava. “Ele levou a proposta para analisar, mas tudo indica que irá assinar”, detalha o procurador.
Irregularidades
Alguns funcionários chegaram na fazenda em setembro de 2008, os últimos começaram a trabalhar no início de janeiro, com a promessa de receber um bom pagamento no final da safra de tomate, que seria toda vendida para a empresa Iguape Comércio de Legumes.
Essa promessa provavelmente não seria cumprida, já que Osnir iria somar quantas caixas de tomates foram produzidas por cada funcionário, subtrair quantos vales foram pagos e também o valor que gastou para fazer o registro na CTPS. “Os gastos com contador, INSS [Instituto Nacional de Seguro Social] , entre outros, seriam pagos pelos próprios funcionários. Quer dizer, no final das contas, não iriam receber quase nada”, indigna-se Luize.
Quando entregava os “vales”, Osnir ainda cobrava a assinatura de recibos como se os trabalhadores estivessem recebendo salários normalmente.
As casas que abrigavam as pessoas eram de madeira, com telhas de barro e muitas frestas. Um esgoto corria a céu aberto no local. Não havia água potável: as famílias bebiam água do córrego e de um poço próximo ao local.
Além disso, os funcionários manejavam agrotóxicos sem equipamentos de proteção individual (EPIs), as áreas não eram sinalizadas quanto à utilização dos produtos e as embalagens ficavam espalhadas por toda lavoura. Segundo o grupo móvel, a situação oferecia risco à saúde e segurança dos trabalhadores e, ao todo, 40 autos de infração foram lavrados.

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