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18 de setembro de 2009

Famílias inteiras são escravizadas em fazenda de algodão

Fiscais venceram mais de 150 km de terra para chegar até a Fazenda Paus Pretos, onde encontraram 70 pessoas exploradas como escravos. Integravam o grupo 20 mulheres, uma criança de apenas 12 anos e um jovem de 17

Por Bianca Pyl

Pelo menos duas famílias inteiras – formada por pai, mãe e filho – estavam sendo submetidas à condição análoga à escravidão na Fazenda Paus Pretos, no município Sebastião Laranjeiras (BA). A situação foi descoberta por meio de denúncia recebida pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e encaminhada à Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Vitória da Conquista (BA).
Os fiscais viajaram por mais de 150 km em estrada de terra para chegar até o local indicado e encontraram 70 pessoas exploradas como escravos. Integravam o grupo 20 mulheres, uma criança de apenas 12 anos e um adolescente de 17. “É uma região de difícil acesso: área de caatinga, sem estradas, placas ou informações. No local, constatamos a gravidade da situação. Eram muitos trabalhadores, muitas crianças acompanhando as mães e duas trabalhando com as famílias. O ambiente de trabalho era extremamente degradante”, detalha o auditor fiscal Joatan Gonçalves Reis.
Os trabalhadores foram aliciados por dois “gatos” (intermediários de mão-de-obra) nos municípios de Malhada (BA) e Guanambi (BA), na mesma região da fazenda. O transporte até a propriedade foi feito em caminhões com a carroceria aberta, sem segurança alguma, no dia 19 de agosto.
Até o dia da chegada da fiscalização (4 de setembro), os trabalhadores ainda não tinham recebido nenhum pagamento. O valor acordado com os “gatos” foi de R$ 3 pela arroba colhida da pluma de algodão. Para “receber” R$ 12 por dia, os empregados mantinham jornadas que se estendiam por dez horas.
Segundo Joatan, o pagamento por um mês de trabalho não chegaria nem a um salário mínimo (R$ 456) porque os trabalhadores eram obrigados a comprar a alimentação vendida pelos gatos e o valor era anotado numa caderneta para posterior desconto. “Além do isolamento geográfico, ficou clara a servidão por dívida, duas das situações que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo”, argumenta o fiscal da Gerência de Vitória da Conquista. Nenhum empregado recebeu Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
As 20 mulheres libertadas também colhiam algodão. Elas foram trabalhar na fazenda carregando os filhos. Durante o dia, uma delas mantinha um bebê de apenas seis meses nos barracos que serviam de alojamento. “A maioria das mulheres não veio acompanhada dos maridos. Elas estavas somente com os filhos”, explica o auditor fiscal do trabalho.
O fazendeiro usou um galpão em que guardava o maquinário para alojar as famílias, separadas por uma lona. A Norma Regulamentadora 31 (NR-31) proíbe moradia coletiva nesses moldes. Os outros trabalhadores e trabalhadoras dormiam em barracos de lona e chão de terra batido. Não havia camas nos alojamentos. As pessoas dormiam em espumas, papelões e até diretamente no chão. Elas não tinham acesso a instalações sanitárias nem à água potável. Para cozinhar, as mulheres improvisavam um fogareiro no chão.
Os trabalhadores receberam os valores referentes à rescisão do contrato de trabalho no dia 14 de setembro e retornaram aos seus municípios de origem. Foram lavrados 17 autos de infração. “Alguns trabalhadores não tinham nem a Carteira de Trabalho, que foi emitida pelos fiscais”, conta Norma Pereira, superintendente regional do trabalho e emprego da Bahia.
Segundo os fiscais, não foi possível articular a tempo a presença de procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT). “A denúncia veio em caráter de urgência porque havia chances de a colheita terminar nos próximos dias. E nós fomos no final de semana seguido de feriado”, explica Joatan. O relatório da fiscalização será enviado ao MPT e à Polícia Federal (PF).
Utilizada atualmente pelo agronegócio da monocultura do algodão, a Fazenda Paus Pretos já foi designada como área de interesse social pelo Executivo Federal. Com área registrada de 2,3 mil hectares, a propriedade foi desapropriada para reforma agrária por decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de 5 de novembro de 2002. A área já vinha sendo reivindicada para este fim há anos. Em 2000, 83 famílias do Movimento de Luta pela Terra (MLT) ocuparam a mesma fazenda.

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