Novo programa focaliza combate ao aliciamento rural
Parceria do governo federal com estados, Marco Zero prevê intermediação do trabalho rural para tentar conter ação criminosa dos chamados “gatos”. Em Açailândia (MA), funcionamento prático do programa ainda não foi esclarecido
Por Maurício Hashizume
Lançada em Imperatriz (MA) na última segunda-feira (3), a iniciativa federal que pretende inibir a prática recorrente de aliciamento irregular de trabalho rural ainda desperta dúvidas nas localidades em que está sendo instalada. O Programa Marco Zero, parceria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com os governos do Pará, Maranhão, Piauí e Mato Grosso, consiste na instalação de agências públicas especiais para intermediar e capacitar mão-de-obra em localidades onde é intensa a atuação dos chamados “gatos” – contratadores privados de empreitadas rurais acionados com o propósito de arregimentar pessoas. Por meio de promessas ilusórias, os “gatos” atraem trabalhadores com freqüência para a cilada da escravidão contemporânea.
O princípio do programa é o mesmo do Sistema Nacional de Emprego (Sine), que já funciona há mais de 30 anos em áreas urbanas. “Ao longo da história, o Estado esteve totalmente ausente na intermediação das contratações no meio rural. O ´gato´ supriu essa ausência. A idéia é fazer justamente com que o Estado passe a cumprir esse papel”, explica Ezequiel Nascimento, secretário de Políticas Públicas e Emprego do MTE. “As vagas de trabalho não podem ser um segredo de conhecimento exclusivo dos ´gatos´”, emenda.
Paragominas (PA), Marabá (PA), Floriano (PI), Açailândia (MA), Bacabal (MA), Codó (MA), Sinop (MT) e Alta Floresta (MT) foram os municípios escolhidos para a implementação dos projetos pilotos.
A demanda por políticas como o Marco Zero já aparecia na meta de número 56 – “Identificar programas governamentais e canalizar esses programas para os municípios reconhecidos como focos de aliciamento de mão-de-obra escrava”, com previsão de cumprimento de “curto e médio prazo” – do 1º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, de março de 2003.
No entanto, a reivindicação foi reforçada de maneira mais enfática e direta naCarta de Açailândia – resultado da 2ª Conferência Interparticipativa sobre Trabalho Escravo e Superexploração em Fazendas e Carvoarias, que reuniu mais de 200 pessoas, entre especialistas no tema e representantes de movimentos sociais, de instituições do poder público, de entidades da sociedade civil. A “implantação de agências locais do Sistema Nacional de Emprego (Sine) nos municípios de aliciamento” é uma das exigências colocadas pelos participantes no documento.
Tanto o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), divulgado em janeiro passado, como o 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, apresentado publicamente em setembro deste ano, incorporam definitivamente essa mesma proposta.
“O projeto é interessante, mas alguns aspectos ainda não ficaram muito claros”, comenta Antônio Filho, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) de Açailândia (MA), um dos municípios escolhidos para esta primeira fase do Programa Marco Zero. Na avaliação dele, o lançamento do Programa Marco Zero foi mais um evento de propaganda com presença concentrada de empregadores e políticos, mas sem explicações mais detalhadas sobre o funcionamento prático da nova política.
Consultas às organizações locais sobre as definições dos moldes e dos fluxos – com base no conhecimento e na experiência acumulada de quem trabalha no cotidiano com a questão – “ajudariam muito na formalização do programa”, analisa o integrante do CDVDH, que mantém um grupo de teatro que fez uma apresentação artística sobre o tema na cerimônia de Imperatriz. Mesmo sem essa “amarração pela base”, Antônio destaca a relevância do novo “instrumento formal”, sujeito a cobranças da sociedade em geral.
O primeiro teste feito pelo CDVDH – um dos núcleos mais atuantes de combate ao trabalho escravo na região de Carajás, que abrange a área fronteiriça entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins – foi frustrante. Membros da organização conduziram dois trabalhadores rurais até o posto do Sistema Nacional de Emprego (Sine) localizado no centro de Açailândia e a funcionária da unidade local informou que nada ainda foi formalizado e que sequer há previsão para a capacitação dos atendentes sobre os procedimentos referentes ao Programa Marco Zero.
De acordo com Ezequiel Nascimento, do MTE, a cerimônia de lançamento em Imperatriz (MA) marcou apenas a assinatura do convênio com os governos estaduais. “Será feito um trabalho com os atores locais para viabilizar as condições de funcionamento do programa”, antecipa.
No primeiro momento, relata o secretário, as negociações envolveram os governadores, as federações estaduais patronais do setor agropecuário e os sindicatos dos trabalhadores rurais. “Esse novo mecanismo precisa ser acionado pelo conjunto dos segmentos para que a política tenha efetividade”.
Com a conclusão do lançamento, está previsto um levantamento das estruturas locais já existentes nos municípios – conselhos municipais, pastorais, etc. – para a tarefa de adaptação do Sine ao meio rural. “A parcela viva da sociedade civil organizada de cada localidade terá grande importância no processo de convencimento. Não podemos seguir aquele modelo rígido e estático de manter apenas um posto de atendimento no centro da cidade. Será preciso ir atrás do trabalhador”, declara Ezequiel. De 1º de janeiro até 2 de outubro de 2008, 3.466 trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão por ações de fiscalização capitaneadas pelo MTE.
O dirigente do ministério afirma ainda que os investimentos em termos de estrutura – carros, equipamentos para troca de informações, etc.- serão feitos e que a pasta espera ter uma rede instalada de Sines rurais até 2010. “Estamos indo com cautela, pois cada cidade tem uma realidade diferente”, projeta. “Com o Marco Zero, não chegaremos a essas regiões apenas com o grupo móvel [de fiscalização que promove ações repressivas], mas também com propostas de empregos”.