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29 de setembro de 2009

Projeto autoriza terceirização rural e facilita ação de "gatos"

Bancada ruralista se empenha para aprovar proposta que permite contratação temporária no meio rural e acaba abrindo brecha para legalizar aliciadores. Ministério, juízes, procuradores e trabalhadores são contra projeto de lei

Por Maurício Hashizume

Senadores analisam proposta de alteração na lei que abre brecha para a terceirização indiscriminada do trabalho no meio rural. A mudança pode facilitar a ação dos “gatos”, como vulgarmente são conhecidos os aliciadores que atuam no campo brasileiro. O Projeto de Lei (PLS 171/2004), de autoria do falecido senador Ramez Tebet (PMDB-MS), legaliza a contratação rural temporária de até 90 dias, prorrogáveis pelo mesmo período. A matéria foi aprovada na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e está sendo discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
A legalização do trabalho rural temporário e terceirizado é defendida com unhas e dentes pela bancada ruralista. Na CRA, a relatoria coube à senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que acumula as funções de presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária (CNA) e repete a mesma função na CCJ. A despeito do empenho ruralista, representantes do governo federal e da sociedade civil náo estão de acordo com o conteúdo do PLS 171/2004.
Na última quarta-feira (23), a CCJ promoveu uma audiência pública sobre a matéria e o placar entre os convidados para a mesa foi quase uma goleada: quatro se mostraram contrários à mudança e dois foram a favor.
Os dois apoiadores da proposta – Henrique Soares, representante adicional da CNA, e Adriano Alves, da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) – se ancoraram basicamente no entendimento de que deve haver isonomia entre trabalhadores rurais e urbanos e na necessidade de adaptação da lei vigente (mais especificamente do artigo 4º da Lei 6.019/1974, de 3 de janeiro de 1974) diante da modernização ocorrida no campo nas últimas décadas.
As questões da isonomia e da modernização aparecem desde a justificação do autor do projeto, em 2004. Antes de sua morte em 2006, Ramez alegava que “o agronegócio não pode ser excluído desse tipo de contratação [temporária e sujeita à terceirização] se quisermos afastar todas as formas ilegais a que os trabalhadores rurais são submetidos”. “A área rural tem um enorme potencial em termos de geração de emprego e a modernização da legislação vigente trará, sem dúvida alguma, bons e rápidos resultados”, pregou.
No mesmo texto de apoio ao projeto, contudo, o então senador apresentou números reveladores de pesquisa organizada pela própria CNA: 88,81% dos proprietários rurais consultados contratavam apenas temporários; 6,48% empregavam trabalhadores permanentes e temporários; e apenas 4,70% se valiam apenas de empregados permanentes.
Em vez de buscar o aumento do vínculo trabalhista permanente no campo, o que está sendo proposto pelo projeto de lei é a legalização de práticas precarizadas. Por essa e por outras razões, a maioria dos participantes da audência pública da CCJ se pronunciou abertamente contra a proposta.
De acordo com Marcelo Campos, que representou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na ocasião, Certamente abrirá espaço para um maior aprofundamento de fraudes e supressão de direitos trabalhistas.
Marcelo lembra que a autorização de trabalho temporário terceirizado já vem provocando controvérsias no meio urbano, pois abre brechas para fraudes resultantes da intermediação de fachada. A prevalência da subsidiaridade – e não da solidariedade – na terceirização urbana acaba, na avaliação dele, por desobrigar empresas diretamente beneficiadas pelos serviços prestados por intermediários no que diz respeito ao pagamento dos direitos caso esses agentes não cumpram seus deveres.
O representante do MTE ressalta ainda que muitos “gatos” têm recorrido à abertura de empresas individuais com o objetivo de executar legalmente essa intermediação. Para ele, a interferência do “gato” será referendada a partir da aprovação do referido projeto de lei. O MTE, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Justiça do Trabalho vêm atuando justamente no sentido de coibir a ação dos “gatos”e de suas atividades criminosas de aliciamento.
“Querem igualar o trabalhador urbano e o trabalhador rural sem levar em conta a garantia dos direitos. Precisamos caminhar para assegurar mais, e não menos, direitos”, complementa Débora Farias, que representou a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) na audiência pública da CCJ. A permissão do trabalho temporário terceirizado no campo tornará o trabalho de quem está na base produtiva ainda mais instável e vulnerável. Por causa da sazonalidade do setor agropecuário, já existem formas específicas de contratação para safristas. Inclusive, a MP 410/2007, transformada em lei, abriu a possibilidade de contratação por dois meses sem a necessidade de assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Segundo Débora, o projeto de lei apenas agrava esses problemas, pois vai na contramão da busca histórica por instrumentos que possam garantir maior vinculação – e não menor – entre empregado e empregador. Como exemplo dessa busca, ela cita iniciativas de usinas de cana-de-açúcar que têm optado pela suspensão do contrato e pela capacitação dos empregados – com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – durante o período da entressafra, sem rompimento de vínculo. “Mesmo com a sazonalidade, é possível manter o contrato de trabalho”, adiciona a procuradora do trabalho.
“Esse projeto vai no sentido contrário. Ele oficializa a vulnerabilidade do peão de trecho, que migra de região para região em busca de empreitadas”, completa Débora. As motivações econômicas dos empregadores são evidentes: ao final do contrato temporário, o empregado tem direito apenas a uma pequena parcela da verba rescisória e não recebe a parcela de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) relativo ao período ativo. Apenas os patrões, na visão dela, têm a ganhar. “O problema da informalidade não está na falta de leis. Falta cumprir o que já está previsto”.
Durante a audiência pública, a posição contrária dos representantes do MTE e da ANPT foi corroborada por Ary Faria Marimon Filho, diretor da Associação Nacional dos Magistrados do Brasil da Justiça do Trabalho (Anamatra), e por Antônio Lucas, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), único representante dos empregados na mesa.

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