Proposta de Marina causa polêmica sobre escravidão
Um trecho do programa de governo da candidata à Presidência da República Marina Silva foi apontado como favorável aos interesses dos ruralistas por reportagem do IG na semana passada. O texto da candidata do PSB propõe “nova redação para o Artigo 149 do Código Penal, de modo a tipificar de forma mais precisa o crime de submeter à condição análoga à de escravo”, mas não especifica em que sentido essas mudanças seriam feitas.
Em resposta à reportagem “Marina agrada a ruralistas ao propor mudança nas regras sobre trabalho escravo”, o PSB publicou uma nota ressaltando que o objetivo é “apertar o cerco ao trabalho escravo no Brasil” e citou a assinatura da Carta Compromisso contra o Trabalho Escravo reafirmando o seu comprometimento contra a prática no país.
Leia a nota na íntegra:
Não passa de mau jornalismo a reportagem “Marina afaga ruralistas ao propor mudanças”, publicada pelo iG nesta sexta-feira (19) e que faz uma falsa ilação entre o que diz o Programa de Governo da Coligação Unidos pelo Brasil e propostas de alguns segmentos do Congresso Nacional sobre a questão do trabalho escravo.
Entendemos que a decisão editorial tomada pelo iG não tem como base o que vai na plataforma da candidata à Presidência. Em nota enviada à jornalista Luciana Lima, deixamos claro que o objetivo da coligação é unicamente “tornar mais clara e inequívoca a tipificação do referido artigo”. Jamais mencionamos a possibilidade de “mudar as regras do trabalho escravo”. Nossa posição sobre o assunto é inequívoca: ao propor uma nova redação para o Artigo 149, a coligação quer justamente apertar o cerco ao trabalho escravo no Brasil.
A falta de definição precisa do que seja, por exemplo, “jornada exaustiva de trabalho”, abre brechas para interpretações diversas da lei e permite que se perpetuem no Brasil práticas cruéis e ilegais – que a coligação e sua candidata condenam e combatem. O que a coligação deseja, portanto, vai no sentido oposto do que possam almejar todos os que, no Congresso Nacional, desejam relaxar o que consta no Artigo 149 do Código Penal.
Marina Silva assinou a Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, documento que contribui para pautar o combate ao trabalho escravo e é parte das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, uma iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal.
Reiteramos ao iG que a Coligação Unidos pelo Brasil jamais defenderá uma reivindicação que resulte no relaxamento do que prevê o Artigo 149. Pelo contrário, seu Programa de Governo firma um compromisso explícito com o propósito de aprimorar e aperfeiçoar as conquistas da cidadania no Brasil.
A polêmica não é sem razão. A alteração da definição de trabalho escravo no país é uma reivindicação da bancada ruralista que quer reduzir o conceito a “trabalho forçado ou servidão por dívida”, excluindo-se “jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho”. Neste sentido, a alteração do artigo significaria um retrocesso nos direitos adquiridos com a aprovação da PEC 57A/99, em maio deste ano e um enfraquecimento da luta contra o trabalho escravo no Brasil.
O trabalho escravo para Dilma e Aécio
A candidata Dilma Rouseff (PT) também assinou a Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, mas não possui referência ao tema no seu programa de governo. Em agosto deste ano, durante uma sabatina realizada na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Dilma declarou que o trabalho escravo “é uma chaga a ser exterminada”. Já o candidato Aécio Neves (PSDB) lista o “combate permanente ao trabalho escravo e degradante, bem como ao trabalho infantil” entre as suas propostas de campanha, mas ainda não assinou a Carta.
Carta Compromisso Contra o Trabalho Escravo
A Carta, que foi veiculada nos pleitos de 2006, 2008, 2010 e 2012, tem o objetivo de contribuir para que haja um canal direto de diálogo e acompanhamento sobre o tema entre a sociedade civil e os futuros administradores públicos. Todos os candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais e distrital foram convidados pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e a pela ONG Repórter Brasil a assiná-la.
Em 2006, a primeira versão da Carta-Compromisso foi assinada pelos três principais candidatos à Presidência da República e por candidatos a governos estaduais que foram posteriormente eleitos.
Em 2010, 12 governadores (Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, São Paulo e Sergipe) e a presidenta da República estiveram entre os candidatos que assinaram a segunda versão da Carta-Compromisso. Na última eleição, o prefeito de São Paulo assinou o documento.
Como resultado, políticas públicas adotadas durante suas gestões tiveram origem no documento, como a criação de Comissões Estaduais e Municipais de Erradicação ao Trabalho Escravo, o lançamento de Planos Estaduais de combate a esse crime e a aprovação de leis que restringem as compras públicas de mercadorias produzidas com trabalho escravo ou criam entraves à existência de empresas responsabilizadas pela situação.
Leia a íntegra do documento abaixo:
CARTA-COMPROMISSO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO
Caras cidadãs, caros cidadãos;
Eu, _______________________________________________, candidata(o) à Presidência da República/ao Governo Estadual de ___________________________________________, firmo aqui o compromisso de atuar pela erradicação do trabalho escravo contemporâneo. Tendo em vista as condições a que estão sujeitos milhares de brasileiros, tolhidos de sua liberdade de ir e vir, despidos de seus direitos e de sua dignidade, desde já assumo o compromisso público de que o combate ao trabalho escravo será uma das prioridades do meu mandato.
Considerando que: a) O Estado brasileiro reconheceu, em 1995, a existência de escravidão contemporânea diante das Nações Unidas; b) Após a criação, pelo governo federal, do sistema de combate ao trabalho escravo, mais de 46 mil trabalhadores foram libertados da escravidão; c) Malgrado os esforços e avanços empreendidos por órgãos governamentais, entidades da sociedade civil, empresas e movimentos sociais, focos de trabalho escravo ainda permanecem no Brasil; d) Os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho estão previstos no artigo 1°, III e IV, no artigo 3º, I e III, no artigo 4º, II, no artigo 170, III e VIII e no artigo 186, III e IV, todos da Constituição Federal; e) O Código Penal, em seu artigo 149, prevê a punição a este crime desde 1940; f) Todas as formas contemporâneas de escravidão são graves violações aos direitos humanos, condenadas expressamente por instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, das quais o Brasil é signatário.
Assumo, caso eleita(o), o compromisso público de:
1) Não permitir influências de qualquer tipo em minhas decisões, que me impeçam de aprovar leis ou implementar ações necessárias para erradicar o trabalho escravo;
2) Efetivar ações presentes no 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e nos Planos Estaduais para a Erradicação do Trabalho Escravo (onde eles existirem), além de apoiar a implantação e/ou manutenção de comissões municipais para erradicação do trabalho escravo e desenvolver políticas públicos de erradicação ao trabalho escravo;
3) Reconhecer e defender a definição de trabalho análogo ao de escravo presente no artigo 149 do Código Penal, caracterizado por trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva. A definição desse artigo, considerada como uma referência global pelas Nações Unidas, tem sido fundamental para o resgate da dignidade de trabalhadores em todo o país;
4) Não promover empreendimentos e empresas, dentro ou fora do País, que tenham utilizado mão-de-obra escrava ou infantil. Por outro lado, apoiar iniciativas de empresas que combatem a incidência desse crime em seus setores produtivos;
5) Buscar proteção aos defensores dos direitos humanos e líderes sociais que atuam no combate à escravidão e na defesa dos direitos dos trabalhadores;
6) Destinar recursos e garantir apoio político para a manutenção das ações de fiscalização de denúncias que resultam nas libertações de trabalhadores;
7) Fortalecer a prevenção ao trabalho escravo, ampliando os programas de geração de emprego e renda nos municípios fornecedores de mão de obra escrava, priorizando a reforma agrária nessas regiões e fortalecendo as ações de reinserção social dos libertados;
8) Apoiar a criação e implantação de estruturas de atendimento jurídico e social aos trabalhadores migrantes brasileiros e estrangeiros em território nacional;
9) Informar aos trabalhadores sobre seus direitos por intermédio de campanhas de informação, que incluam as entidades públicas competentes e buscar a inclusão da temática do trabalho escravo contemporâneo nos parâmetros curriculares da rede pública de ensino municipal;
10) Apoiar a implementação de uma política de atendimento aos trabalhadores resgatados com ações específicas voltadas à educação básica e profissionalizante e à reintegração social e econômica do trabalhador;
11) Buscar a aprovação ou a regulamentação de projetos de lei que contribuirão com a erradicação desse crime, como aquele que condiciona a formalização de contratos com órgãos e entidades da administração pública a empresas que declarem não ter utilizado trabalho análogo ao de escravo na produção de seus bens e serviços;
12) Apoiar o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a “lista suja”, instrumento mantido por intermédio da Portaria Interministerial 02/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tem sido um dos mais importantes mecanismos de combate a esse crime.
Por fim, asseguro que renunciarei ao meu mandato se for encontrado trabalho escravo sob minha responsabilidade ou se ficar comprovado que alguma vez já utilizei desse expediente no trato com meus empregados. Além disto, garanto que será prontamente exonerada qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra.
Sem mais, subscrevo-me.
_______________, __ de ____________ de 2014
_______________________________________
(assinatura)
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