Redução de exigências incentiva abertura de fronteiras
Medida Provisória 425/08 flexibiliza lei ambiental e facilita obras em rodovias. Estudos apontam que 75% da devastação na Amazônia se dá ao longo de estradas. Trabalho escravo também se concentra em áreas de expansão
Por Repórter Brasil*
A abertura de novas estradas no meio da Floresta Amazônica guarda ligação com a intensificação do desmatamento e a abertura de novas fronteiras. Estudos sobre o tema chegaram a apontar que 75% da devastação se dá ao longo de estradas. Há uma grande concentração de denúncias e de flagrantes de trabalho escravo justamente nas fazendas das bordas da Amazônia em que a mata é carcomida e substituída por pastos.
Daí a relação que se pode estabalecer entre a aprovação na Câmara dos Deputados da Medida Provisória (MP) 425/2008 – que tinha como propósito autorizar o governo federal a usar títulos da dívida pública para injetar recursos no Fundo Soberano do Brasil (FSB) e acabou incluindo a dispensa da licença ambiental prévia para obras em rodovias brasileiras.
A flexibilização da legislação ambiental foi proposta pelo relator, deputado José Guimarães (PT-CE), com vistas à aceleraração das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
A medida fixa ainda um prazo máximo de 60 dias para que órgãos ambientais como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitam o licenciamento ambiental de instalação. Ao final desse prazo, a licença será automática. A emenda altera a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei No 6.938/1981), reduzindo as medidas que garantem a devida análise dos impactos ambientais e a definição de medidas mitigadoras e compensatórias em obras de infra-estrutura como essas.
“O deputado José Guimarães é o mesmo que teve um assessor flagrado com dólares escondidos na cueca. Agora, ele usa o mesmo artifício para enfiar, em uma MP de caráter econômico, um corpo estranho que acaba com a exigência de licenciamento ambiental prévio nas obras de infra-estrutura. Hoje é uma estrada. Amanhã será uma hidroelétrica?”, questiona Paulo Adário, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace. “Pior: ao conceder automaticamente a licença depois do prazo máximo, o governo resgata um artifício usado durante a ditadura militar para legitimar seus interesses escusos – com o agravante de que a medida passa a valer pra todo mundo”.
Em muitos casos, como na rodovia BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), somente o anúncio do asfaltamento no restante da estrada estimulou enorme migração de fazendeiros e madeireiros, o que resultou em altas taxas de desmatamento e modificação drástica da paisagem.
Até o fim de 2010, o PAC prevê a modernização, a pavimentação e a duplicação de quase duas dezenas de estradas, ao custo de mais de R$ 8 bilhões em investimentos públicos e privados. Entre as rodovias beneficiadas está a BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). O asfaltamento tem forte apoio do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, com o objetivo de pavimentar sua candidatura ao governo do estado do Amazonas em 2010.
A MP 452/2008 foi para o Senado. E pelo uma voz relevante já se ergueu contra a proposta na Casa. Na avaliação da senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PT-AC), as mudanças propostas na Câmara vão prejudicar drasticamente a Amazônia. “Estão fazendo política de terra arrasada com a legislação ambiental”, chegou a declarar Marina, que associa a flexibilização com a pavimentação da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
Para organizações como o Greenpeace (que lançaram uma nota pública contra a medida – veja abaixo), iniciativas como a emenda do deputado José Guimarães (PT-CE), somada a outras em tramitação no Congresso – como oProjeto de Lei (PL) 6.424/05, que reduz a exigência de reserva legal (área de preservação de mata nativa) de imóveis localizados na Amazônia de 80% para 50% (batizada de Floresta Zero), a MP 458/08 (autoriza a transferência sem licitação a particulares de terrenos da União na Amazônia Legal de até 1,5 mil hectares) e o lobby pelas alterações do Código Florestal – “colocam em cheque as metas de redução de desmatamento assumidas internacionalmente pelo governo brasileiro no Plano Nacional de Mudanças Climáticas”.
“A campanha eleitoral, antecipada pelo presidente Lula para eleger a chefe da Casa Civil como sua sucessora, virou um trator que derruba tudo pela frente. A política ambiental está sendo sacrificada deliberadamente no altar da sucessão presidencial. E que a ministra Dilma não tenha dúvidas: o PAC, que poderia perfeitamente ser rebatizado de Plano de Aceleração da Catástrofe, vai abrir uma cicatriz irreparável na política ambiental brasileira e na imagem do país no exterior”, emendou Paulo Adário, do Greenpeace.
Leia a íntegra:
NOTA PÚBLICA SOBRE PAVIMENTAÇÃO DE ESTRADAS NA AMAZÔNIA
As organizações abaixo assinadas manifestam-se totalmente contrárias à tentativa de extinguir o licenciamento ambiental para pavimentação de estradas abertas conforme previsto no projeto de lei de conversão da medida provisória 452/2008 aprovado ontem (14/04) pela Câmara dos Deputados. A proposta pretende burlar a Constituição Federal, uma vez que é notório que o impacto maior ocorre após a pavimentação.
Do mesmo modo consideramos inaceitável o asfaltamento da BR 319, obra sem viabilidade ou justificativa comprovadas, desconectada de qualquer projeto de desenvolvimento regional. A prioridade dada a essa estrada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) atende interesses outros que não a ligação entre duas capitais do norte do país. O asfaltamento da BR-319 servirá apenas para abrir a região mais remota e preservada da Amazônia à ocupação desordenada, além de deteriorar, via forte pressão migratória, a qualidade de vida da cidade de Manaus.
A pavimentação de estradas é o maior vetor de desmatamentos na Amazônia. Historicamente 75% dos desmatamentos da região ocorreram ao longo das rodovias pavimentadas, como ocorreu na Belém-Brasília (BR-010), na Cuiabá-Porto Velho (BR-364) e no trecho matogrossense da Cuiabá-Santarém (BR-163). O simples anúncio do asfaltamento já é suficiente para estimular o desmatamento e a grilagem, como ocorreu na BR-163, apontada como modelo de implementação de infra-estrutura viária na Amazônia, mas, ainda assim, uma das regiões onde o desmatamento mais cresceu nos últimos anos.
Essas iniciativas ameaçam a sustentabilidade da região e põem em risco as metas de redução de desmatamento assumidas pelo governo brasileiro no Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – FBOMS
Fórum Carajás
Fórum Permanente de Defesa da Amazônia Ocidental
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Rede Alerta Contra o Deserto Verde RJ
Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Associação Potiguar Amigos da Natureza – ASPOAN
Bicuda Ecológica
Conservação Internacional
ECOA – Ecologia e Ação
Fundação Vitória Amazônica – FVA
Greenpeace
Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBA
Instituto de Estudos Socioeconomicos – INESC
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM
Instituto Onça-Pintada
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – IDESAM
Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON
Instituto Socioambiental – ISA
Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental
Movimento Baía Viva
Preserve Amazônia
Projeto Saude & Alegria
Sociedade Angrense de Proteção Ecológica – SAPE
The Nature Conservancy – TNC
Verdejar Proteção Ambiental e Humanismo
WWF Brasil
*Com informações do Greenpeace