Seu eletrônico pode ter sido produzido por escravos
Uma pesquisa com trabalhadores da indústria de eletrônicos da Malásia revelou que 28% estavam em condições de trabalho forçado. A taxa foi maior entre estrangeiros: 32%, ou seja, quase um a cada três trabalhadores. O estudo, desenvolvido pela ONG Verité e encomendado pelo Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, envolveu mais de 500 trabalhadores e representa uma estimativa do problema que afeta a indústria de eletrônicos no país, que produz para grandes marcas como Apple, Samsung e Sony.
Com um investimento estrangeiro de aproximadamente 2,68 bilhões de dólares em 2013 – 86,5% de todo o investimento recebido pelo setor a partir de fontes estrangeiras-, a Malásia se tornou um importante centro de produção global para a indústria elétrica e eletrônica. Em 2011, o Departamento de Estatísticas da Malásia reportou que cerca de 350 mil pessoas trabalhavam na indústria de eletrônicos no país.
De acordo com o relatório, “os resultados sugerem que o trabalho forçado na indústria de eletrônicos da Malásia represente mais do que incidentes isolados e a situação pode ser caracterizada como generalizada”.
Os principais fatores que contribuíram para o diagnóstico de trabalho forçado foram:
– Cobrança de altas taxas de recrutamento: 92% dos trabalhadores estrangeiros tiveram que pagar taxas de recrutamento para conseguir os seus empregos. Dos entrevistados que relataram o pagamento de taxas para agentes de empregos em seus países de origem, 92% pagaram taxas excessivas. Dos trabalhadores que pagaram taxas para agenciadores da Malásia, 99% relataram o pagamento de taxas abusivas.
– Endividamento ligado às taxas excessivas cobradas no processo de recrutamento realizado nos seus países de origem ou na Malásia: 77% dos trabalhadores pagaram as taxas com dinheiro emprestado. Os trabalhadores que tiveram que pedir dinheiro emprestado foram os que pagaram as maiores taxas. Isso sugere que quanto mais altas as taxas, maior o nível de endividamento dos trabalhadores.
As dívidas assumidas pelos trabalhadores representou um significativo e contínuo fardo para os trabalhadores em sua estada na Malásia. 95% dos que precisaram de dinheiro emprestado para as taxas de recrutamento levaram mais de três meses para pagar a dívida, e 50% demoraram mais de um ano. Considerando que o contrato de trabalho típico para um trabalhador estrangeiro é de dois anos de duração (com a opção de extensão para o terceiro ano), pode-se afirmar que 50% desses trabalhadores permaneceram em dívida pelo menos durante a metade do seu primeiro contrato de trabalho.
– Relação da dívida com a obrigação de trabalhar: dos entrevistados que ainda não tinham conseguido pagar as suas dívidas, 92% se sentiam na obrigação de fazer horas extras e 85% sentiam que era impossível sair de seu emprego antes de pagar a dívida. A taxa de trabalho forçado encontrada foi maior entre os trabalhadores endividados (48%) se comparado ao geral (28%). Este dado aponta que da taxa excessiva cobrada pelo processo de recrutamento e consequentemente endividamento, segue-se o trabalho forçado diante da vulnerabilidade desses trabalhadores.
– Recrutamento enganoso: um em cada cinco trabalhadores foi enganado sobre os termos de seu contrato de trabalho. 22% dos trabalhadores estrangeiros foram enganados sobre os seus salários, horas de trabalho, horas extras, requisitos ou pagamentos, rescisão do vínculo empregatício ou natureza, grau de dificuldade ou perigo dos seus trabalhos. Esses trabalhadores tiveram pouca habilidade para mudar ou recusar os seus empregos na chegada.
– A retenção dos passaportes: o que é proibido por lei na Malásia, foi amplamente percebido no estudo. 94% dos trabalhadores estrangeiros entrevistados relataram que seus passaportes foram retidos, e 71% contaram que era difícil ou impossível conseguir os seus passaportes de volta quando queriam ou necessitavam.
– Restrição de liberdade: Trabalhadores estrangeiros relataram alta restrição de liberdade, fortemente associada à retenção dos passaportes. 62%, ou quase dois terços de todos os trabalhadores estrangeiros entrevistados relataram que não eram capazes de circularem livremente pela falta de passaporte ou outros documentos de viagem. 35% relataram a necessidade de uma permissão para ir além de certa distância.
– Alojamentos precários: Muitos trabalhadores estrangeiros viviam em condições precárias nos alojamentos fornecidos pelos empregadores ou por agentes de emprego terceiros. 35% dormiam em um quarto com mais de oito pessoas, 43% disseram não ter local seguro para guardar seus pertences, e 22% não se sentiam seguro em sua habitação.
– Rescisão de contrato: os trabalhadores estrangeiros relataram as dificuldades para encerrar a relação de trabalho. 57% disseram que “o trabalhador não pode abandonar o emprego antes do fim do contrato sob pena de multa alta, perda do salário, dos documentos e ameaça de ser denunciado às autoridades. Um vez no emprego na Malásia, 88% disseram que não era possível insistir em uma mudança de trabalho, e 92% não tinham a opção de recusar o posto, retornar para casa e ter de volta o dinheiro investido.
Clique aqui para acessar o relatório completo, em inglês.
Informações: Verité
Legenda da imagem: Trabalhadores vietnamitas em Tapin, na Malásia (2008) / Crédito: Nguyễn Thành Lam (Flickr, em Creative Commons)