Casos de tráfico de pessoas e trabalho escravo estão espalhados por São Paulo
Ocorrências de tráfico de pessoas e de trabalho análogo ao de escravo estão espalhados pela cidade e pelo estado de São Paulo, aponta levantamento divulgado no último dia (29) pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, a partir da análise de 257 processos, sendo 171 do Ministério Público Federal (MPF) e 86 do Ministério Público do Trabalho (MPT). Foram identificados casos em 26 municípios, em 15 regiões de governo. O estudo destaca a “grande pulverização dos casos, provavelmente vinculada à grande diversidade de setores econômicos em que a exploração ocorre”. Durante a divulgação, na sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, na área central de São Paulo, representantes do Judiciário lamentaram a suspensão, por decisão judicial, da “lista suja” do trabalho escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego. A atividade de hoje integra a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
A desembargadora Silvana Abramo, do TRT, por exemplo, disse que todos os envolvidos no combate ao trabalho escravo têm “duas grandes tarefas” este ano: manter o conceito de trabalho escravo, que têm sugestões de mudanças, e garantir a divulgação da “lista suja”. “É um instrumento importantíssimo no nosso trabalho”, afirmou, destacando-se a relevância do documento também do ponto de vista econômico. “É um parâmetro utilizado para investimentos”, observou.
Ela também fez referência à chacina de Unaí, que completou 11 anos ontem – quatro servidores do Ministério do Trabalho, três auditores-fiscais e um motorista – foram mortos a tiros durante atividade de fiscalização. “Tratou-se de um crime contra o Estado brasileiro”, disse a desembargadora.
“Vicejam movimentos de reação no sentido de conter todo esse avanço (de ações de combate à prática)”, disse o procurador do Trabalho Luiz Carlos Michele Fabre. Essas reações, segundo ele, se materializam em medidas como a suspensão da lista. Ou a proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) de alteração do artigo do Código Penal que conceitua o trabalho escravo. Para o procurador, o novo conceito proposto “é de antes da abolição”.
Também segundo ele, é preciso lembrar que não é apenas o aspecto humanitário que move as ações contra o trabalho escravo. “Trata-se de proteger o empregador que cumpre a legislação.” De acordo com seus cálculos, um trabalhador explorado, com jornada de segunda a sábado, durante todo o dia, significa uma “vantagem concorrencial”, para o empregador irregular, de R$ 2.300 por mês. Ao concorrente só restariam duas alternativas, deduz o procurador: fechar o negócio ou aderir à prática.
Diversidade de crimes
Segundo a pesquisadora especialista em políticas públicas Letícia Bachani Tarifa, da Secretaria de Gestão Pública do Estado, o tráfico e o trabalho escravo são “dinâmicos” e requerem acompanhamento constante. O estudo divulgado hoje mostra diversidade de crimes (33) e de infrações de direitos trabalhistas. As vítimas da prática em São Paulo vêm de 16 estados, sendo sete da região Nordeste. No caso dos processos do MPF, 85% estão em atividades urbanas; nos do MPT, 63%. O primeiro vê incidência predominante no setor têxtil e o segundo, em atividades agropecuárias e de construção civil.
Na cidade de São Paulo, foram identificados 20 casos em dez bairros, metade no Bom Retiro, “reconhecido pelo grande número de pequenas oficinas de costura que, muitas vezes, apresentam condições degradantes de trabalho, especialmente com trabalhadores de origem boliviana, que compõem a cadeia têxtil”. Vários municípios da região metropolitana têm casos de exploração de mão de obra, casos de Cajamar, Cotia, Embu-Guaçu, Guarulhos e Itaquaquecetuba, além da capital. Nas cidades de Campinas e São Paulo também se registraram ocorrências de exploração sexual.
Nos processos do MPF analisados, os pesquisadores concluem que a proporção de casos em que a denúncia foi rejeitada “é bem superior” à de casos com algum tipo de condenação. Em apenas três “foi possível identificar a condenação dos acusados, o que corresponde a 2% dos procedimentos”.
O procurador Fabre citou caso de 2013 envolvendo a construtora OAS, em que 150 operários em obras de expansão do aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo, foram encontrados em condições análogas à de escravidão. “Sem garantia de hospedagem, de retorno ao local de origem, de contratação”, lembrou, citando até Karl Marx, ao se referir à existência de um “exército de reserva” de mão de obra no local. Em dois meses, foi firmado um acordo entre a construtora e o MPT para regularizar as situações trabalhistas, prevendo o pagamento de R$ 15 milhões de indenização por danos coletivos.
“Da empresa privada diretamente para a sociedade”, comentou o procurador, defendendo ações permanentes contra essa prática. “Ou a gente senta e chora, sai do país, se encosta, ou reage e luta e começa a mudar. Talvez não para a nossa geração, mas para as outras.”
“As maldades e mazelas humanas também se aperfeiçoam”, afirmou a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, Juliana Felicidade Armede.
Fonte: Rede Brasil Atual
Imagem: MTE