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25 de março de 2024

Racismo estrutural no Brasil: uma conversa com Daniel Bento Teixeira

O racismo estrutural se manifesta em múltiplas e complexas formas, impactando a vida e as perspectivas de presente e futuro de trabalhadores e trabalhadoras. Está presente desde a barreira de acesso a uma educação de qualidade, fundamental para o desenvolvimento pessoal e profissional, até a discriminação em processos de recrutamento e seleção, que frequentemente excluem pessoas negras das melhores oportunidades de emprego. 

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulgados em 2023, 83% das vítimas de trabalho análogo ao escravo no país se autodeclaram negras. Este dado, revela uma exploração desproporcional de trabalhadores e trabalhadoras negras e reforça a necessidade urgente de abordagens direcionadas e eficazes para desmantelar as estruturas que sustentam esta realidade.  

Para aprofundar este debate, o InPACTO conversou com Daniel Bento Teixeira, advogado, diretor-executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e conselheiro do InPACTO, sobre o combate ao racismo e às desigualdades, temas cruciais para construirmos um futuro de trabalho digno para todas as pessoas.

Para Teixeira, é preciso atacar as raízes do problema, com políticas públicas que promovam a equidade racial e ações afirmativas nas empresas.

Sobre o entrevistado: 

Daniel Teixeira é advogado, diretor-executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e conselheiro do InPACTO. Foi pesquisador-visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova Iorque e Fellow do Public Interest Law Institute, em Budapeste.

Confira a entrevista completa.

InPACTO: Em uma perspectiva histórica, qual você acredita ser o principal problema do racismo no Brasil?

O racismo estrutural permeia a sociedade brasileira desde o período colonial, impactando diretamente no mercado de trabalho. É fundamental reconhecer o racismo como um sistema que hierarquiza as pessoas de acordo com sua etnia e raça. A partir dessa compreensão, podemos construir políticas públicas e ações afirmativas que promovam a equidade racial no mercado de trabalho.

O escravismo era, de fato, um sistema econômico. Então, perceber que trabalho e economia nesse país se inicia com o racismo, é fundamental para uma compreensão maior de que a desigualdade no Brasil deriva dessa primeira matriz, que é o racismo. E isso vai se repetindo ao longo dos ciclos econômicos.

InPACTO: Quais ações emergenciais para quebrar o ciclo do racismo e da desigualdade no Brasil? 

Creio que é necessária uma agenda concreta sobre trabalho digno no Brasil, considerando o racismo de forma sistêmica como obstáculo para efetivação do trabalho digno.

A participação da sociedade civil é fundamental, especialmente em um governo de disputa política. A agenda do trabalho digno deve ter o antirracismo como principal bandeira, com foco na população negra e interseccionalidade com gênero. As informações disponíveis sobre raça e cor no mercado de trabalho devem ser utilizadas para criar políticas públicas eficazes.

Destaco a importância de compreender o racismo como um sistema que hierarquiza as pessoas de acordo com sua etnia e raça, a necessidade de políticas públicas e ações afirmativas que promovam a equidade racial no mercado de trabalho e o papel da sociedade civil na luta por um futuro mais justo e inclusivo.

InPACTO: Neste cenário, qual é o papel da sociedade civil e como ela pode contribuir?

As empresas são obrigadas a fornecer dados de diversidade, mas nem sempre esses dados são usados para criar políticas públicas eficazes. A sociedade civil, com sua expertise em interseccionalidade e tecnologias sociais, pode contribuir para a criação de políticas públicas que reduzam as desigualdades no mercado de trabalho.

Creio que olhar esse território das políticas públicas e do trabalho digno, considerando os movimentos sociais e o que a sociedade civil tem a contribuir, é uma forma que pode contribuir para reduzir os níveis de desigualdade histórica no mundo do trabalho. Isso é fundamental que a gente tenha e, certamente, impactará o território mais vulnerável, que é a população submetida ao trabalho escravo contemporâneo. E isso, juntamente com a fiscalização que precisa aumentar e se qualificar, temos duas frentes que podem e devem ser o foco do próximo período para termos avanços nesse território.

Nesse sentido, é de suma importância usar dados de diversidade para criar políticas públicas eficazes, destacando, mais uma vez, o papel da sociedade civil na luta contra a desigualdade no mercado de trabalho e a necessidade de aumentar e qualificar a fiscalização do trabalho.

InPACTO: Recentemente, tivemos em Brasília o evento de instalação da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS). Você acha que isso pode ser um espaço de discussão que irá ajudar na construção de políticas públicas? 

A Comissão Nacional para os ODS, com foco na equidade racial, é vista como um espaço promissor para o debate e a criação de políticas públicas eficazes. O ODS para equidade racial é fundamental para organizar recursos públicos e privados, uma vez que a Comissão pode direcionar recursos para iniciativas que combatam o racismo e promovam a equidade no mercado de trabalho. O CNODS poderá promover a interseccionalidade, garantindo que as políticas públicas considerem as diferentes formas de opressão que se interseccionam, como o racismo, sexismo e LGBTfobia. Ao abrir espaço para a participação de diferentes setores da sociedade civil na construção de políticas públicas, o conselho exerce uma importante função de incluir a sociedade civil nesse processo.

Esse tipo de instância pode contribuir para inserir pessoas em instituições públicas e privadas, e também do terceiro setor, numa agenda de efetivação de direitos a partir de certas premissas, como o antirracismo, de pensar no trabalho escravo atualmente. Então eu vejo que são instâncias muito válidas.

InPACTO: Pensando em políticas públicas, em uma perspectiva transversal, você acredita que incluir nos currículos escolares temas como trabalho escravo, trabalho infantil e como eles dialogam com o racismo estrutural seria uma boa estratégia de combater essas violações através da educação?

Eu entendo que este é um dos temas mais importantes. Ao pensar na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), vale enfatizar que uma das pautas importantes do movimento negro foi a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas.  Medidas como estas são essenciais para combater violações e promover cidadania por meio da educação. 

A História do Brasil precisa ser contada na íntegra nas escolas, assim como a realidade brasileira e seus desafios, incluindo as violações de direitos humanos como o trabalho escravo. 

A educação é essencial para que as novas gerações sejam conscientes do problema e possam combatê-lo. 

InPACTO: E com relação ao papel das empresas? O que você acredita que é importante para que elas se comprometam efetivamente com a gestão de riscos de discriminação racial, trabalho escravo ou trabalho infantil?

A pressão para que as empresas adotem práticas mais efetivas de controle em toda a sua cadeia produtiva e cumpram com as obrigações de direitos humanos é fundamental. A legislação precisa ser coercitiva e trazer sanções para o não cumprimento das obrigações e o acesso a recursos públicos, como BNDES e contratos públicos, deve ser condicionado à implementação de práticas efetivas de controle e cumprimento das obrigações de direitos humanos.

Para isso, existem algumas ações efetivas no ambiente empresarial como o condicionamento de investimentos, fortalecimento da legislação, advocacy e a mobilização social, ampliação da diligência de direitos humanos, capacitação dos colaboradores, estabelecimento de canais de denúncia e publicação de relatórios de sustentabilidade.

É preciso ter um olhar para a questão das condicionalidades, também de investimento, acesso a recursos públicos, porque isso pode ser bastante efetivo por acarretar perda caso a empresa não siga a uma devida diligência. É possível aprofundar isso.

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