Estudo estabelece relação entre montadoras alemãs e violações dos Direitos Humanos no Brasil
Relatório produzido por entidades alemãs cobra a responsabilidade da Volkswagen, BMW e Daimler por problemas socioambientais ligados à produção de ferro, cobre e alumínio em vários países
Por Repórter Brasil
Para levar ao mercado mais de 60 milhões de carros em 2010, as 15 maiores empresas automobilísticas do mundo compraram cerca de 60 milhões de toneladas de metais. A co-responsabilidade das montadoras pelas muitas violações dos direitos humanos ligadas à mineração e à indústria do aço, cobre e alumínio foi levantada pelo estudo “Do minério ao carro – Condições de mineração e produção de matérias-primas e a responsabilidade da indústria automobilística alemã”.
Produzido por entidades ligadas às igrejas católica e protestante na Alemanha (Misereor e Brot für die Welt) e à ONG Global Policy Forum, o relatório encontrou repercussão por concluir que o governo e as empresas do país pouco fazem para assumir sua parcela de responsabilidade sobre as questões socioambientais que perpassam a mineração e a indústria de base, que opera sobretudo em países em desenvolvimento.
Segundo o relatório, “nem as medidas tomadas pelos Estados nem as tomadas pelas empresas no âmbito da responsabilidade social corporativa são suficientes para remediar as violações dos direitos humanos (…). Melhoras significativas são possíveis, se Estados e empresas assim quiserem”.
De acordo com o estudo, as montadoras sequer têm conhecimento de quem são seus fornecedores, já que a produção é fragmentada e intermediada por uma série de subsidiárias. Conforme destacaram jornais alemães à época, várias empresas foram pegas de surpresa, no segundo semestre de 2011, por uma súbita falta de autopeças e componentes eletrônicos: ninguém havia se dado conta que a destruição provocada pelo terremoto de Fukushima mexeria tão profundamente com a cadeia produtiva.
Direitos humanos e a indústria de base
O impacto socioambiental da produção de minérios é grande e eventuais violações dos direitos humanos costumam ser mais freqüentes nas atividades mais distantes do produto final. Como problemas relacionados à produção automobilística, o relatório cita conflitos agrários e expulsões arbitrárias no isolamento de áreas para mineração; o uso intensivo de energia para a conversão do ferro em aço e a produção de alumínio, que envolve os impactos da produção de carvão ou da construção de grandes hidrelétricas; e também a poluição e desequilíbrio na distribuição da água nas regiões onde se instalam as indústrias. Ainda o deslocamento de famílias e comunidades em conseqüência da atividade econômica e a violência provocada por conflitos de interesses constituem violações dos direitos das populações que vivem nessas regiões.
Em 2010, a Alemanha importou 43,1 bilhões de toneladas de minério de ferro –56,2% desse total, do Brasil, que ainda é um importante fornecedor de ferro-gusa e alumínio aos alemães. O relatório cita o uso de carvão vegetal (em sua maioria, feito a partir de madeira ilegal) na produção de ferro e o trabalho escravo em carvoarias como problemas associados à produção de matérias-primas.
Também o caso da alemã ThyssenKrupp, alvo de ações judiciais por irregularidades trabalhistas e crimes ambientais em empreendimento conjunto com vale do Rio Doce em Sepetiba (RJ), foi lembrado no estudo. A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) é acusada de promover a destruição de manguezais e emitir poluentes que elevaram a incidência de doenças respiratórias e de pele na região desde 2010.
Políticas corporativas
O estudo faz críticas pesadas ao pensamento estratégico das empresas e do governo alemão. “A política de matérias primas da Alemanha se ocupa dos riscos socioambientais de maneira secundária; em primeiro lugar, está assegurar o suprimento de matérias-primas”, critica.
A “Aliança para a Garantia de Matérias Primas”, fundada no início de 2012 por dez gigantes alemãs das indústrias química e farmacêutica, por exemplo, é um pacto para “ampliar a participação das empresas na exploração de matéria-prima e na abertura de novas frentes de negócios”. “Com essa iniciativa, a responsabilidade das empresas alemãs pelas conseqüências econômicas, sociais e de direitos humanos vai crescer mais ainda”, prevê o relatório.
O estudo analisa ainda a política das três maiores montadoras alemãs – Volkswagen, Daimler e BMW – para seus fornecedores. Representantes das três empresas assumem que o acesso a informações sobre os padrões de produção de seus fornecedores é limitado. Nenhuma das empresas divulga o país de origem de suas importações, alegando questões estratégicas.
Em 2010, a BMW implantou um programa sistemático de monitoramento dos aspectos de sustentabilidade de sua cadeira produtiva, que é baseado em informações cedidas pelos próprios parceiros econômicos. Os fornecedores diretos são incentivados a cobrar informativos de seus próprios fornecedores, e assim por diante. Até janeiro de 2012, só 1.800 dos mais de 12.000 grupos envolvidos em toda a cadeia prestaram informações.
A Daimler adota “Diretrizes Sustentáveis” que exigem “o cumprimento de normas legais e ambientais” por parte dos fornecedores diretos, e esperam que eles se responsabilizem por monitorar as empresas com quem trabalham. Desde 2008, foram criadas comissões para estender a política de sustentabilidade da empresa à cadeia produtiva, cujos resultados, no entanto, ainda não foram avaliados.
A Volkswagen adota uma política de sustentabilidade para sua cadeia de fornecedores – que, assim como no caso da Daimler, não estabelece parâmetros concretos – e implantou em 2010 um sistema eletrônico para reunir autoavaliações das empresas com quem faz negócios. A própria empresa reconhece que o preenchimento do formulário eletrônico é insatisfatório com relação às questões ligadas a Direitos Humanos.
O relatório sugere às montadoras a adoção de exigências em contratos de fornecimento que pressionem as empresas a adequar-se a parâmetros claros de sustentabilidade, assim como uma auditoria periódica independente em atividades mais distantes do produto final.
As políticas corporativas poderiam melhorar consideravelmente, analisa ainda o relatório, se houvesse um esforço do governo alemão em exigir que as empresas rastreiem e divulguem a lista de seus fornecedores de matérias-primas. Regulamentação nesse sentido já existe nos Estados Unidos e também na União Europeia, para a importação de produtos químicos controlados.