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2 de fevereiro de 2009

Fiscais libertam 49 de escravidão na coleta de jaborandi

Depois de encarar uma longa jornada até chegar às frentes de trabalho, grupo móvel encontrou pessoas isoladas, sem receber salários e submetidos à dívida ilegal. Folhas colhidas por elas abasteciam indústria química paulista

Por Bianca Pyl

Enquanto Belém recebia cerca de 100 mil pessoas para discutir temas sociais como o trabalho escravo no Fórum Social Mundial, 49 pessoas estavam sendo libertadas pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a mais de 960 km da capital paraense.
A libertação ocorreu numa propriedade a 190 km de São Félix do Xingu (PA). Todos os tipos de violações relacionados ao crime de trabalho escravo estavam sendo aplicados: isolamento geográfico, endividamento, não-pagamento de salários, alojamentos precários, água sem nenhum tratamento e alimentação inadequada, além de superexploração.
“Esses trabalhadores estavam completamente isolados do mundo”, conta Klinger Moreira, auditor fiscal que coordenou a operação. O grupo móvel enfrentou muitas dificuldades para chegar até os trabalhadores. Uma das frentes de trabalho ficava a 70 km da sede da fazenda. Os primeiros 20 km do percurso foram feitos de carro e os outros 50 km com uma moto que os fiscais conseguiram emprestada.
A retirada das pessoas do local foi feita de canoa e o retorno à sede da fazenda levou oito horas. “Para se ter uma idéia da distância, um grupo que saiu mais tarde, às 16 horas, teve que pernoitar na margem do rio e só chegou a sede às 13 horas do dia seguinte”, ilustra o auditor fiscal.
Havia outra frente de trabalho mais próxima, a 40 km da sede da fazenda, mas a dificuldade para semelhante: só os 20 km iniciais foram percorridos de carro. Fiscais chegaram a caminhar 7 km no barro para alcançar o local em que os empregados estavam. “Eles eram obrigados a caminhar até 15 km pela floresta para colher as folhas de Jaborandi e voltavam esse mesmo percurso carregando sacos de até 60 kg da folha”, relata Klinger.
Os trabalhadores foram aliciados no Maranhão, em maio de 2008, por Maria Georgeres Daher. Segundo apuração dos fiscais, ela recebia recursos da empresa química Sourcetech, com base em Pindamonhangaba (SP), para a fabricação da pilocarpina, um alcalóide extraído das folhas do jaborandi (Pilocarpus microphyllus). A planta brasileira é utilizada pela indústria química principalmente na fabricação de colírio para glaucoma e cosméticos.
A Sourcetch tem, desde maio de 1997, o registro Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, que permite a comercialização de seus produtos no país. A empresa também obteve um certificado da Comissão Européia, desde março de 1998, o Certification of Suitability of Monographs of the European Pharmacopoeia pela European Department for the Quality of Medicines.
De acordo com Klinger, a intermediária da mão-de-obra utilizava a conta de uma empregada para receber os recursos da empresa. Os recibos dos depósitos estão na mão dos fiscais. “A prova que temos são os depósitos efetuados, Maria não manteria o negócio se não fosse por esses pagamentos”.
A fiscalização apurou que a aliciadora entrou em contato com a empresa para oferecer as folhas colhidas e fechou um acordo. Os fiscais encontraram também alguns vídeos feitos por Maria que mostram os funcionários durante o trabalho. Há, ainda, um vídeo que registra um representante da Sourcetech, a quem Maria chama de “patrão”.
Por conta do isolamento, os produtos necessários para o trabalho quanto e para uso pessoal eram comprados pela contratante, que revendia tudo pelo dobro do preço. “Eles recebiam pequenos adiantamentos sem nenhuma periodicidade, algumas pessoas ficaram até dois meses sem receber nada”, descreve o coordenador da ação. Os funcionários ainda eram obrigados a comprar um kit contendo repelente e remédio para picada de cobra.
Um dos acampamentos era chamado pelos trabalhadores de “inferno verde” e ficava próximo a um rio. Todos os abrigos eram barracões de lona, com piso de chão bruto, sem colchões ou camas. Não havia água potável no local, nem instalações sanitárias.
O auditor fiscal entrou em contato com a Sourcetech e conversou com um diretor técnico que reconheceu a compra da produção dos trabalhadores libertados. “Ele disse que a empresa não iria pagar os direitos trabalhistas. O que poderiam fazer era comprar as 10 toneladas de Jaborandi colhidas para que o dinheiro pudesse ser repassado aos trabalhadores. O valor das 10 toneladas não chegaria a R$ 50 mil”, relata Klinger.
Após o resgate, as 49 pessoas libertadas – entre elas duas mulheres – foram alojadas em hotéis na cidade de São Félix do Xingu (PA) e ainda aguardam o pagamento das verbas rescisórias.

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