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17 de março de 2010

Fiscalização rural liberta 24 pessoas de colheita no RS

Trabalhadores estavam alojados em casa improvisada e dormiam em colchões velhos colocados no chão. “O local não tinha condições de ser habitado pelo péssimo estado de conservação, além da sujeira”, descreve auditora fiscal

Por Bianca Pyl

Durante inspeção de rotina no município de Bom Jesus (RS), auditores fiscais do grupo rural de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul (SRTE/RS) encontraram 24 trabalhadores, incluindo 5 mulheres, em situação análoga à escravidão. A ação foi realizada no início deste mês e contou com a participação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT).
O grupo foi contratado no mês de fevereiro por uma aliciadora – identificada apenas como “Maria” – para trabalhar na colheita de batata. As vítimas foram arregimentadas em Vargem Grande do Sul (SP), interior de São Paulo, mas migraram de localidades do Maranhão, Sergipe e Minas Gerais.
O empregador infringiu a Instrução Normativa nº 76 de 2009, que determina que a Certidão Declaratória seja emitida ainda no local de origem do empregado. “A certidão é uma garantia do trabalhador. Sem ela, pode acontecer de ele ser contratado por um ´gato´ para trabalhar em outro Estado e quando chegar ao local ficar sabendo que não há emprego algum ou que o fazendeiro desistiu da contratação ou até mesmo virar escravo”, exemplifica Marilise Soares De Zotti, coordenadora do grupo rural da SRTE/RS.
Os empregados vieram de ônibus sem autorização para viagens interestaduais até Rondinha, zona rural de Bom Jesus (RS). No local, não existia alojamento e os trabalhadores foram levados até uma casa alugada onde dormiam em colchões velhos colocados diretamente no chão. “O local não tinha condições de ser habitado pelo péssimo estado de conservação, além da sujeira. A cozinha ficava praticamente a céu aberto”, relata Marilise.
Todos dividiam somente dois banheiros. “Não havia divisões por gênero, as mulheres e homens utilizavam os mesmos espaços para dormir e tomar banho”, conta a procuradora Priscila Boaroto. A instalação elétrica apresentava problemas e os fios estavam expostos, aumentando o risco de acidentes.
Não havia água potável nem sanitários nas frentes de trabalho. “Os empregados levavam água da torneira, sem nenhum processo de filtragem, em garrafas de uso coletivo. As mesmas garrafas eram usadas o dia todo, em um calor de 30º [Celsius]”, complementa Priscila. De acordo com ela, a alimentação era fornecida pela aliciadora. “Segundo depoimentos, fazia parte do acordo fornecer alimentação. Por isso, não havia dívidas”.
Os colhedores não tinham Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e as batatas colhidas eram colocadas em sacos de fungicidas. O acordo entre o contratante e os trabalhadores era de que o pagamento seria por produção. Cada empregado receberia R$ 14 por sacola colhida, dos quais R$ 4 eram da aliciadora. Os empregados excediam a jornada máxima permitida por lei, que é de 8h diárias (com mais duas horas extras) e 44h semanais.
O empregador Paulo Cézar Segala arrendou a terra que, segundo a procuradora do trabalho, é de pequeno porte. Paulo não tinha sequer inscrição na Previdência Social. Os auditores fizeram o Cadastro Específico (CEI) do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) no momento da fiscalização. Outros dois empregados de Paulo que moravam na região e não estavam submetidos à condições de trabalho escravo e tiveram suas Carteiras de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) assinadas pelo empregador com data retroativa.
O produtor rural assinou Termo de Ajuste de Conduta (TAC), proposto pelo MPT, no qual se compromete a cumprir uma série de obrigações. Entre elas a de não contratar empregados por intermédio de outras pessoas e sem registro na carteira, além de cumprir a Norma Regulamentadora (NR) 31 que trata sobre a segurança e a saúde do trabalhador rural. O acordo prevê multa de R$ 30 mil por obrigação descumprida.
Foram lavrados 13 autos de infração e o “alojamento” foi interditado. Durante a fiscalização, as vítimas foram transferidas para pousadas da região, onde havia camas, banheiros e refeições em número suficiente. As vítimas receberam as verbas referentes à rescisão do contrato de trabalho (mais de R$ 28 mil, no total), além de R$ 100 por dano moral individual. Elas terão direito a três parcelas do Seguro-Desemprego para o Trabalhador Resgatado. O grupo retornou para a São Paulo em 9 de março, em ônibus alugado pelo empregador. A viagem foi acompanhada por agentes da PRF.
“Vamos continuar fiscalizando. Se encontrarmos ônibus com trabalhadores de outras localidades sem a Certidão Declaratória, vamos mandar de volta”, avisa Marilise, da SRTE/RS. A Repórter Brasil não conseguiu localizar o produtor rural Paulo Cézar Segala para entrevistá-lo sobre o ocorrido.
 

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