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10 de novembro de 2008

Fiscalizações em carvoarias ilegais libertam 51 pessoas

Houve flagrante de escravidão em 6 carvoarias: trabalhadores não recebiam salários e permaneciam até 35 dias sem folga. Patrões valiam-se da servidão por dívida, mas evitavam anotar em cadernos para enganar fiscalização

Por Bianca Pyl

Das sete carvoarias fiscalizadas pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no sudeste do Pará, seis mantinham trabalhadores em condições análogas à escravidão. Ao todo, 51 pessoas – entre elas sete mulheres e um adolescente de 15 anos – foram libertadas das fazendas localizadas em Rondon do Pará (PA) e Abel Figueiredo (PA), próximos à Rodovia BR-222.
“Encontramos todo tipo de ilegalidade nessas carvoarias. Eles não tinham licença ambiental para produzir o carvão vegetal, não tinham notas fiscais das vendas dos produtos, e, em alguns casos, nem título de propriedade”, explica a auditora fiscal Virna Soraya Damasceno, que coordenou a operação, que se desdobrou de 21 e 31 de outubro. As denúncias do crime partiram da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, cidade referência do sudeste paraense.
Nas seis fazendas flagradas, a situação era parecida: trabalhadores submetidos a condições desumanas, desprovidos de equipamentos de proteção individual (EPIs), sem receber salários e sem registro em carteira de trabalho.
“Eles estavam alojados em barracas de lona preta ou de palha, com chão de terra batida. Em duas propriedades, o abrigo era de madeira, mas também cheio de irregularidades. Não havia banheiros, e eles eram obrigados a utilizar o mato. A água vinha de córregos próximos às fazendas”, descreve Virna, do MTE.
Os proprietários evitaram anotar os valores cobrados dos funcionários na tentativa de escapar do crivo dos fiscais. “Não conseguimos encontrar nenhuma caderneta de dívidas. Porém, os trabalhadores relataram que compravam a comida diretamente do empregador e o acordo para desconto era verbal. Agora os empregadores não anotam nada para não caracterizar servidão por dívida (previsto como crime no Artigo 149 do Código Penal). Ou seja, é uma forma de burlar a fiscalização”, constata a coordenadora da operação.
O pagamento em todas as propriedades era por produção. Com isso, os carvoeiros trabalhavam diariamente. “Eles ficavam três dias fora da carvoaria e depois voltavam. Faziam jornadas de 30 a 35 dias sem sair do local de trabalho e assim não tinham folga nos finais de semana. E o pior: nem recebiam pelas horas a mais de serviço”, completa Virna.
Duas carvoarias visitadas pelos fiscais já foram pegas explorando mão-de-obra escrava no passado. Há três anos, as propriedades de José Maurício Rodrigues Vieira e de José Carlos Castro dos Santos foram flagradas pelo grupo móvel. Na época, os donos não foram autuados, pois a Usina Siderúrgica do Marabá S/A (Usimar), que comprava o carvão vegetal, acabou responsabilizada. “A empresa assumiu o pagamento das verbas rescisórias. Desta vez, não conseguimos encontrar nenhuma nota fiscal para identificar quem são os compradores do carvão. Os proprietários foram autuados e pagaram os trabalhadores”, explica Virna. Desta vez, foram libertadas respectivamente sete (incluindo um adolescente) e três pessoas das fazendas de José Maurício e José Carlos.
Gláucio Araújo de Oliveira, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) que fez parte da operação, firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a Carvoaria Santa Lúcia Ltda. O proprietário Mário Lúcio Teixeira pagou dano moral individual de R$ 1 mil para cada um dos 19 trabalhadores libertados. Além disso, Mário Lúcio pagou R$ 50 mil por dano moral coletivo, valor que será revertido em equipamentos para a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que acompanhou a fiscalização e apreendeu três armas de fogo e um caminhão com 70 metros de carvão, que foi encaminhado para a Polícia Civil de Marabá.
Por meio do TAC, o dono da fazenda também se comprometeu a regularizar a situação da propriedade. Ele também é dono da Fazenda Califórnia, que tinha 30 fornos para queima do carvão, onde foram libertadas três pessoas.
O MPT também firmou um TAC com Jaime da Silva Pereira, dono de outra carvoaria fiscalizada que prometeu regularizar o quadro trabalhista. Ele fez o pagamento de R$ 1 mil a cada um dos nove empregados por dano moral individual e ainda destinou R$ 40 mil em dano moral coletivo para compras de equipamentos para a PRF. No local, foram apreendidas três motosserras. Na sexta localidade flagrada – a carvoaria de Landualdo Silva Santos – houve dez libertações.
Em apenas uma das carvoarias, o cenário encontrado foi bem diferente, mostrando que é possível oferecer condições de trabalho aceitáveis mesmo em regiões de fronteira agropecuária. Não houve libertações na carvoaria de Valdean Cunha de Oliveira. “A segurança e saúde do trabalhador estavam sendo respeitadas. Eles recebiam em dia, tinham equipamentos de proteção individual, o alojamento era de madeira, com piso, banheiro e cama, de acordo com a lei. Os empregados consumiam água potável. A única irregularidade era a carteira de trabalho sem registro”, relata Virna. O proprietário registrou as pessoas com data retroativa os oito empregados que puderam permanecer no local.
A maioria dos libertados é do município de Rondon do Pará; alguns vieram do sul do Maranhão. As indenizações trabalhistas chegaram a R$ 80 mil.

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