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15 de fevereiro de 2016

Entrevista: JBS defende uso da “Lista da Transparência” contra trabalho escravo

Em entrevista ao InPACTO, Márcio Nappo, Diretor de Sustentabilidade da JBS, afirmou que sem a transparência com relação às informações sobre empregadores flagrados com trabalho escravo as empresas não conseguem proteger os seus negócios deste tipo de violação aos direitos humanos. A JBS está entre as associadas do InPACTO que usam  a “A Lista da Transparência”, no lugar da “Lista Suja” suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, para proteger sua cadeia produtiva do trabalho escravo.
A “Lista Suja”, reconhecida pelas Nações Unidas como um exemplo internacional de combate ao trabalho escravo, cumpriu durante mais de uma década o papel de tornar públicos os nomes de empregadores que tenham sido flagrados, pela inspeção do trabalho, utilizando mão de obra escrava. Ao final de 2014, a sua divulgação por parte do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP)  foi suspensa, após liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), da qual fazem parte 26 empresas de construtoras do país.
Na impossibilidade de acessar a lista, o InPACTO e a ONG Repórter Brasil solicitaram com base na Lei de Acesso à Informação (12.527/2012), que o Ministério do Trabalho e Previdêcia (responsável pela lista desde 2003) fornecesse os dados dos empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final, entre dezembro de 2013 e dezembro de 2015. A lista recebeu o nome de “Lista da Transparência”.
Leia abaixo a entrevista completa:
InPACTO: Para as empresas, qual é a importância de se ter acesso às informações referentes aos empregadores flagrados com mão de obra escrava?
MÁRCIO NAPPO: A lista, seja a publicada pelo MTE, seja a publicada pelo InPACTO, é a ferramenta mais fundamental para que na prática possamos cumprir com o que foi acordado no Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.  Sem ela, que dá na verdade operacionalidade aos compromissos, na minha opinião, não existe o Pacto. O Pacto passa a ser uma promessa vazia.
InPACTO: A JBS foi uma das empresas que pediu ao InPACTO para solicitar as informações da “Lista da Transparência”. Por que o InPACTO?
MÁRCIO NAPPO: Eu sempre defendi que ao invés de cada empresa fazer a sua solicitação individual através da Lei de Acesso à Informação, quem tem legitimidade para fazer isso, inclusive fazer uma coordenação de todos os membros, é o próprio InPACTO. Uma vez por ano, nós contratamos uma empresa para auditar todos os nossos compromissos. E o trabalho escravo é um deles. A nossa preocupação sempre foi que se cada empresa pedisse a lista em datas diferentes, haveria criaria uma confusão na hora de fazer a auditoria, porque fere um pouco da oficialidade do processo aos olhos do auditor.
InPACTO: Como é feito o trabalho de monitoramento da JBS?
MÁRCIO NAPPO: Nós verificamos diariamente 100% do nosso cadastro no sentido de atualizar, com base nas informações que temos, quem são os fornecedores que estão ou não em conformidade com os nossos critérios. Caso não estejam, eles têm seu cadastro bloqueado para a compra de gado no nosso sistema comercial.
InPACTO: Por que vocês fazem esse monitoramento diário?
MÁRCIO NAPPO: Fazemos isso porque no setor de carnes compramos matéria prima todos os dias. São cerca de 40, 50 mil cabeças de gado para abastecer a nossa operação que é a maior aqui no Brasil. Além da prevenção ao trabalho escravo temos também critérios ambientais. E como o IBAMA oferece atualizações frequentes sobre esses critérios, precisamos fazer essa atualização diária. Então adotamos também esse monitoramento das atualizações referentes a trabalho escravo porque por mais que a lista do MTE fosse divulgada a cada seis meses, na prática, muitas empresas conseguiam sair da lista por liminar ou acabavam voltando por perder a liminar. Para não ficarmos defasados passamos a incluir no nosso procedimento a verificação diária da lista do trabalho escravo.
InPACTO: Como este monitoramento é feito?
MÁRCIO NAPPO: Este monitoramento é feito através de um sistema de informática que governa toda a empresa, inclusive a parte comercial. Ele e cruza as informações dos CPFs o dos CNPJs que estão nas duas listas públicas (do IBAMA e da Transparência) contra os CPFs e CNPJs do meu cadastro de fornecedores. E na medida em que o sistema acusa coincidência de CPFs ou CNPJs, temos estes CPFs e CNPJs bloqueados dentro do sistema para compra.
InPACTO: Qual área cuida disso dentro da empresa?
MÁRCIO NAPPO: É a área de sustentabilidade. Isso quer dizer que o comprador de gado da JBS de uma operação nossa, por exemplo, no Pará, ainda que ele não se importasse com as questões de sustentabilidade, que ignorasse completamente isso, se ele tentasse por algum pedido de compra de gado de algum fornecedor irregular (por questão do Ibama ou do trabalho escravo), ele não ia conseguir levar a frente essa operação. Isso por que o CPF ou CNPJ desse produtor irregular já estaria bloqueado, e só a área de sustentabilidade tem a capacidade de bloquear e desbloquear cadastros no sistema. Então isso é que garante a integridade do nosso sistema de monitoramento da compra de gado.
InPACTO: A JBS foi uma das empresas que manifestou uma preocupação muito grande com a suspensão da lista no começo do ano, por conta desse monitoramento contínuo…
MÁRCIO NAPPO: Por dois motivos: primeiro por que não temos fiscalização a campo para pegar casos de trabalho escravo, portanto sem essa informação eu não tenho muito o que fazer. O outro ponto é que JBS teve pelo menos 6 ou 7 casos de pecuaristas que através de advogados entraram com ações contra a empresa, dizendo que a JBS não tinha mais porque deixar de comprar de fornecedores que estavam na antiga lista do trabalho escravo, uma vez que essa lista não existia mais e, portanto, não existia amparo legal para que a JBS se negasse a comprar. Foram poucos casos, mas eles são emblemáticos porque uma situação como essa contamina segmentos importantes da sua cadeia de fornecimento. Felizmente hoje temos a “Lista da Transparência” que, como um passe de mágica aliviou a pressão, baixou a temperatura desse tipo de estratégia para pressionar a empresa.
InPACTO: Algum fornecedor questionou a “Lista da Transparência”?
MÁRCIO NAPPO: Não, não tivemos. Ninguém questionou isso. Tive, inclusive, o cuidado de perguntar isso para o pessoal do operacional. Nós tínhamos 99 casos de fornecedores da JBS bloqueados, por estarem presentes na antiga lista do trabalho escravo, a do MTE. Agora, atualizando com a “Lista da Transparência”, esse número subiu pra 124. E na verdade, alguns fornecedores saíram. O nosso critério é muito transparente, tanto pra lista do IBAMA quanto para do trabalho escravo: se você entrou numa dessas listas você vai ter o cadastro bloqueado. Se em um determinado dia seu CPF ou CNPJ deixou de constar em uma das listas, automaticamente desbloqueamos o cadastro porque entendemos que o problema foi resolvido. 
InPACTO: O que você diria para outras empresas, pra fazerem o uso da lista da transparência? O que você recomendaria?
MÁRCIO NAPPO: Que façam o uso da lista. Como disse no começo da conversa, é a única maneira tornarmos efetivos os nossos compromissos com o Pacto. Além disso, temos que dar um exemplo de coalizão, de um grupo consolidado em cima de um compromisso, inclusive para gerar conforto, facilitar, gerar pressão em favor da transparência. Parabenizamos novamente a iniciativa do InPACTO em soltar uma lista. Assim, todo mundo tem como seguir a mesma base de informação, publicada com a mesma periodicidade, e com os mesmos procedimentos de uso dessa informação.

Imagem: Divulgação/Julio Bittencourt/JBS

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