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25 de junho de 2015

InPACTO envia carta à Revista Exame esclarecendo informações sobre trabalho escravo

O Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) enviou uma carta à Exame sobre a reportagem “Trabalho escravo ou só emprego ruim?”, publicada no último dia 8. Na matéria, a revista minimiza os graves problemas flagrados em operações de fiscalização, omite informações sobre as reais condições em que os trabalhadores foram encontrados e insinua que há no Brasil um rigor excessivo na legislação e uma perseguição a empresas, apontadas pela Exame como “reféns” de auditores fiscais. O InPACTO ainda está aguardando uma resposta da revista e vai publicá-la assim que a receber.
Leia abaixo a íntegra da carta enviada pelo InPACTO e em seguida um texto de esclarecimento divulgado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) no qual o auditor-fiscal Marcelo Campos, citado pela Exame, comenta a reportagem.
 

O Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) recebeu com surpresa e perplexidade a reportagem “Trabalho escravo ou só emprego ruim?”, publicada no último dia 8. O texto minimiza os graves problemas flagrados em operações de fiscalização, omite informações sobre as reais condições em que os trabalhadores foram encontrados e insinua que há no Brasil um rigor excessivo na legislação e uma perseguição a empresas, apontadas pela Exame como “reféns” de auditores fiscais.

A matéria mostra um profundo desconhecimento sobre o tema e dos  mecanismos de proteção e erradicação ao trabalho escravo, como o Grupo Móvel de Fiscalização e o cadastro de empregadores flagrados com trabalho escravo, também chamado de “lista suja”. Ambos são reconhecidos internacionalmente, inclusive pela Organização Internacional do Trabalho, e pelas empresas comprometidas com o combate a essa prática de exploração dentro e fora das suas próprias cadeias produtivas.  Vale ressaltar que o Brasil é signatário de convenções internacionais de enfrentamento ao trabalho escravo.

A terceirização e a responsabilidade das empresas pelos seus fornecedores, entre as mais complexas questões relacionadas a esse tema, são deixadas de lado na reportagem.  O aspecto humano dá lugar à ironia em diversos trechos que se referem a trabalho escravo. Logo no segundo parágrafo: “Não há dúvida: podia não ser o emprego dos sonhos. Mas é razoável compará-lo a um trabalho escravo?”. Isso dito sobre mais de 300 trabalhadores obrigados a fazer jornadas longas, chegando a 23 horas, em um dos casos, ou 29 dias de trabalho sem um dia sequer de folga para descanso, em outro.

O texto também omite pontos importantes, como as informações sobre as reais condições encontradas pelos auditores: “Algumas das irregularidades: a empresa não fornecia 250 mililitros de água por funcionário a cada hora de trabalho, como manda a lei. Nos alojamentos, havia camas duplas, beliches sem proteção lateral ou com menos de 1,1 metro de distância do teto, conforme prescrito pelas normas”. Neste caso, segundo informações divulgadas na época da operação de fiscalização, não havia água potável, banheiros ou lugar para comer, os trabalhadores ultrapassavam onze horas diárias de trabalho e não tinham descanso semanal, fatos que diferem bastante do apresentado na matéria.

Ao longo dos últimos 20 anos o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou mais de 50 mil trabalhadores em condições como essas. A identificação do trabalho escravo é feita a partir de uma série de autuações que em conjunto caracterizam a violação de direitos trabalhistas e humanos.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal é crime: reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Cabe esclarecer que os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” significam que os trabalhadores não podem ser submetidos a jornadas que comprometam a sua saúde e segurança –  e isso vai além da questão das longas jornadas, que por si só já são um grande problema –, e nem a condições que desrespeitam a sua dignidade.

Por fim, a lista do Ministério do Trabalho e Emprego, foi durante os últimos 13 anos uma importante ferramenta  de apoio às empresas preocupadas em erradicar o trabalho escravo de suas cadeias produtivas. Aqueles que estão interessados em proteger suas cadeias produtivas de práticas desumanas como o trabalho escravo têm a lista suja como aliada e não uma ameaça. Além disso, centenas de empresas brasileiras, aliadas aos princípios da responsabilidade social empresarial têm práticas muito avançadas de prevenção e combate ao trabalho escravo.

 

Caio Magri – Presidente do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Tatiana Trevisan – Vice-Presidente do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

 
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) também rebateu a reportagem e publicou uma nota de esclarecimento enviada pelo auditor-fiscal do trabalho Marcelo Campos, citado na reportagem. Na nota Campos diz:

Nas duas últimas semanas, atendendo à determinação da área de Comunicação Social da SRTE/MG, estive em contato com a repórter Flávia Furlan Nunes, da Revista Exame. Desde o início a referida profissional demonstrou estar muito interessada em minha vida pessoal. Fazia perguntas sobre meu estado civil, eventual filiação política ou se condenava o capital. Ao mesmo tempo fazia indagações sobre a atuação do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo da SRTE/MG, indagando sobre o conceito de “trabalho escravo” por mim utilizado.

Informei a jornalista de que a política nacional de combate ao trabalho escravo obedece a regramentos legais de caráter internacional tais como as Convenções 29 e 105 da OIT, ao crime definido no Código Penal (artigo 149), Portarias e Instruções Normativas do Ministério do Trabalho e Manuais produzidos por este mesmo órgão. Informei especialmente, que a partir Lei nº 10.803/2003, o artigo 149 do Código Penal (Trabalho Análogo ao de Escravo) teve sua redação modificada, inserindo-se ali as hipóteses de Jornada Exaustiva e Trabalho Degradante como formas de trabalho escravo contemporâneo. Foram encaminhados à jornalista cópias de diversos relatórios para que a mesma tivesse conhecimento da forma como os AFT que combatem este grave crime atuam no âmbito da SRTE/MG.

A matéria publicada aborda a questão do combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil como se fosse uma política desenvolvida exclusivamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Esquece-se de que se trata de política do Estado Brasileiro e conta com a participação de outros órgãos governamentais (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Advocacia Geral da União), bem como do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Justiça Federal e Justiça do Trabalho.

A matéria ignora importantes informações no conteúdo dos relatórios encaminhados e que foram fundamentais para a caracterização do trabalho análogo ao de escravo, a repórter utilizou o conceito de trabalho escravo existente no Brasil anteriormente à atualização do artigo 149 do Código Penal. Hostiliza claramente aqueles que interpretam tal artigo à luz da modificação imprimida pelo Congresso Nacional.

Na verdade, a matéria reproduz um discurso existente desde a atualização do artigo 149 do Código Penal e que deseja limitar a caracterização do crime apenas aos casos de trabalho forçado e servidão por dívida. Trata-se de verdadeiro escárnio ao Congresso Nacional que aprovou a nova redação, incluindo as hipóteses de trabalho degradante e jornada exaustiva. Trata-se também, de ataque às instituições do Estado Brasileiro que se ocupam em combater as formas contemporâneas de exploração do trabalho escravo.

Espanta que determinados segmentos econômicos e setores da mídia tenham a coragem de defender que determinados delitos presentes no Código Penal não devam ser considerados como crime.

Marcelo Campos
AFT/SRTE/MG

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