InPACTO promove troca de experiências no combate ao trabalho escravo
Conhecer. Incidir. Erradicar. Essa é a base da proposta do InPACTO para que empresas e associações combatam o trabalho escravo em suas cadeias produtivas. Durante a Conferência Ethos 360º, na quarta-feira, 22, o InPACTO organizou uma mesa de discussão com representantes do estado e organizações da sociedade civil e uma rodada de troca de experiências com empresas que promovem ações internas para o combate ao trabalho em condições análogas à escravidão.
Esforço coletivo para a erradicação do trabalho escravo:
Luiz Machado, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) abriu as discussões com um panorama dos instrumentos jurídicos internacionais que proíbem o crime. As convenções assinadas em conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) norteiam as ações de combate ao trabalho escravo dos países signatários.
No Brasil, foram realizados inúmeros esforços para a erradicação da prática, como a criação de Grupos de Fiscalização Móvel, pactos nacionais e estaduais, banco de dados sobre resgates e empregadores flagrados por utilizar mão de obra escrava. “O Brasil é pioneiro e referência para mundo”, afirma Machado. “Não podemos deixar que retrocessos aconteçam”.
Entre os retrocessos no combate ao trabalho escravo está o Projeto de Lei 432/2014. O PL pretende regulamentar a Emenda Constitucional 81/2014, conhecida como “PEC do Trabalho Escravo”, que prevê a expropriação de imóveis onde tenha sido utilizada a mão de obra escrava. No texto, proposto pelo senador Romero Jucá (PMDB), há a supressão dos termos “jornadas exaustivas” e “condições degradantes” como elementos tipificadores do crime. “Não queremos que o Brasil seja visto como o país que construiu para depois desconstruir”, explica Machado.
O procurador do trabalho Jonas Ratier Moreno endossa o risco que o Projeto de Lei representaria. “A primeira ameaça é desconstruir um sistema legal que deu segurança jurídica ao combate ao trabalho escravo”. Moreno lembra que a “PEC do Trabalho Escravo” foi aprovada depois de 20 anos de intensa discussão. “Não podemos retirar os elementos que garantem a dignidade ao cidadão”, pontua. “Se alguma mudança [no texto do artigo 149] for necessária, que seja para definir melhor, e não para retirar termo”.
O processo de terceirização da atividade-fim também é considerado uma ameaça, opina Moreno. O procurador explica que a externalização do trabalho, sem fiscalização e regras, irá contribuir para a submissão dos trabalhadores, especialmente no meio rural. “Não podemos deixar que aconteça uma terceirização sem limites”.
Boas práticas: caso ABVTex
O diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTex), Edmundo Lima, apresentou as boas práticas que a organização vêm implementando para erradicar o trabalho escravo na cadeia produtiva da moda. Com mais de 23 empresas associadas, entre elas grandes varejistas do país, a Associação investiu, até agosto de 2016, 15 milhões de reais no monitoramento da cadeia produtiva têxtil e do vestuário.
A entidade também criou o Programa de Certificação da ABVTex, que visa qualificar os varejistas associados a desenvolver, monitorar e apoiar fornecedores e respectivos subcontratados para o cumprimento dos aspectos ligados à responsabilidade social e relações de trabalho. “Não desenvolvemos só um sistema de monitoramento e controle, mas apoiamos o desenvolvimento dos fornecedores”, aponta Lima. O desafio é grande: o Brasil possui a maior cadeia têxtil do Ocidente e tem cerca de 27 mil oficinas de costura.
O que podemos fazer?
Os resultados de projetos de grandes empresas associadas ao InPACTO mostram que é possível promover ações para a erradicação do trabalho escravo. “Antes de tudo, precisamos de um planejamento para corrigir os erros”, avalia Marcello Brito, CEO da Agropalma.
A Agropalma é uma empresa brasileira que gera mais de 5 mil empregos diretos. A base do cultivo do óleo de palma está localizada no Norte do país, e cerca de 5% da produção vem da agricultura familiar. Em 2009, ano em que a empresa adotou o projeto de monitoramento de sua cadeia produtiva, problemas com informalidade e casos de trabalho infantil começaram a aparecer. “Achávamos que, por ser de agricultura familiar, não tínhamos problema, mas um olhar criterioso mostrou que não”, admite Brito.
Marcello conta que o primeiro passo para incidir sobre o problema foi a busca de parceiros na região. A partir de então, um processo educacional e uma campanha de esclarecimento começaram a ser gestados pela empresa. “Lamentavelmente, os trabalhadores estão à margem de qualquer conhecimento sobre leis trabalhistas”, ressalta. “Vimos que educação é tudo”.
Após seis anos de esclarecimentos junto aos trabalhadores da empresa, os casos de trabalho infantil, uso de equipamentos de proteção e informalidade chegaram quase a zero entre os fornecedores. “Estamos satisfeitos, mas não acomodados. [O monitoramento] É uma jornada sem fim”.
O diretor de sustentabilidade do Grupo Carrefour, Paulo Pianez, reforça a necessidade de se entender o contexto das condições degradantes de trabalho. “O trabalho escravo é um subproduto da desigualdade e da exclusão”. Segundo Pianez, para incidir sobre as causas do trabalho escravo é preciso reconhecê-lo, esclarecer junto aos colaboradores da empresa o problema e promover transparência.
Juliana de Lavor Lopes, gerente de sustentabilidade do Grupo AMaggi, sustenta essa ideia: “No início do processo, não sabíamos como fazer. Tivemos que entender a dimensão do problema e estudar uma estratégia para erradicá-lo”. Desde 2009, a AMaggi é um dos apoiadores do Movimento Ação Integrada, com sede no Mato Grosso. No projeto, trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravos recebem capacitação profissional.
Em 2010, o Grupo Walmart assumiu um compromisso de não comprar carne que tenha sido produzida em áreas de desmatamento da Amazônia. As ações de responsabilidade social do grupo logo incluíram o monitoramento da cadeia produtiva de seus fornecedores. “As primeiras reuniões pareciam uma guerra, mas agora, cinco anos depois, o cenário é bem diferente”, destaca Tatiana Donato Trevisan, diretora de sustentabilidade do grupo no Brasil. “Ou a gente vive em uma bolha e finge que não existe trabalho escravo ou a gente se junta e muda isso com inovação social”.
Poliana Dallabrida/Repórter da Papel Social
Foto: Clovias Fabiano/Instituto Ethos