212 PESSOAS resgatadas na produção de cana de açúcar, em Goiás e Minas Gerais, sob condições inaceitáveis de trabalho e sobrevivência.
Considerando sua missão de prevenir e erradicar o trabalho escravo nas cadeias produtivas do Brasil, o InPACTO se solidariza com as 212 pessoas resgatadas na produção da cana de açúcar, em Goiás e Minas Gerais, sob condições inaceitáveis de trabalho e sobrevivência para qualquer ser humano. É lamentável que além desta ser a maior operação de resgate de 2023, o primeiro trimestre deste ano tenha já contabilizado 918 trabalhadores resgatados, considerando de 1 de janeiro a 20 de março de 2023, maior número desde 2008, segundo dados do Ministério do Trabalho.
A produção sucroalcooleira e o trabalho nos canaviais são historicamente consideradas precarizadas no Brasil. O transcurso do tempo e a Lei Áurea não impediram a persistência do trabalho forçado, das jornadas exaustivas, condições degradantes e servidão por dívida. Desde 1940, o Código Penal brasileiro prevê punição a esse crime, descrito como forma de trabalho escravo contemporâneo ou condições análogas à escravidão. No entanto, vimos que só esse ano além das 212 pessoas resgatados nessa operação, também tivemos 139 em Acreúna (GO) e mais 32 em Pirangi (SP), neste setor. Além disso, levando-se em conta o número de pessoas resgatadas no mesmo estabelecimento, a operação de fiscalização que encontrou 139 pessoas no município goiano de Acreúna foi a terceira maior dos últimos cinco anos.
Há fatores e elementos que nos ajudam a compreender o aumento dos recentes flagrantes de trabalho escravo, como a crise socioeconômica que, durante o período pandêmico, aumentou as vulnerabilidades sociais e diminuiu as oportunidades de empregos dignos, favorecendo a perpetuação de práticas abusivas e desumanas. Ademais, dos 3644 postos disponíveis para Auditor(a) Fiscal do Trabalho, apenas 1949 estão ocupados, o que perfaz o menor contingente de pessoal em 28 anos. Nesse sentido, fortalecer as ações para combater o trabalho escravo é emergente e urgente. Emergente porque as notícias de exploração são quase diárias e não há como negar a realidade que se mostra e nos envergonha como sociedade. Urgente porque crimes contra a humanidade são intoleráveis em qualquer cenário e sob qualquer circunstância.
Assim, acreditamos ser imperativo o compromisso do Estado com a erradicação do trabalho escravo, reunindo diversos atores para diálogo e análise do Plano Nacional atual com vistas ao aprofundamento das políticas públicas já existentes, bem como para a coordenação de esforços nos âmbitos estaduais e federais conjugadas às ações de autoridades públicas e entidades engajadas da sociedade civil, que devem se unir para enfrentar juntas e erradicar de uma vez por todas essa persistente prática em nosso organismo social, herança do passado colonial escravista e afronta intolerável aos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, em todas as operações de resgate já há mapeado o perfil das pessoas resgatadas e seus locais de origem para formular políticas públicas de pós-resgate, mas também para redução das vulnerabilidades e prevenir que casos como esse ocorram (resgatados em 2022, 83% se autodeclararam negros, 15% brancos e 2% indígenas. 92% eram homens).
A emergência e a urgência do tema também fazem com que as empresas se posicionem e, em alguns casos, assumam a responsabilidade de reparação material e moral pelos danos causados. Mas assumir publicamente a própria omissão no dever de devida diligência não exime nenhuma empresa ou proprietário de terras do dever de prevenir futuras violações de direitos humanos. Um dos principais riscos relacionados a esse setor são contratos temporários de trabalho realizados por empresas terceirizadas, no plantio ou na colheita. Terceirizar as atividades da produção não vai afastar a responsabilidade do produtor e é imprescindível que as empresas atuem diligentemente para que não haja, em hipótese alguma, precarização das relações de trabalho. Além disso, as empresas podem e devem se engajar e aprofundar suas práticas e políticas, incrementando sua gestão de riscos e mitigando possíveis impactos negativos reais e potenciais, criando boas práticas para a promoção do trabalho digno e demonstrando a todos os setores da sociedade seus compromissos e esforços para contribuir com a erradicação do trabalho escravo e a redução das desigualdades.
A realidade se impõe e o setor produtivo não pode se furtar ao seu papel de protagonista na mudança do cenário de estrutural de desigualdade que nos assola. Esse papel deve ser desempenhado em âmbito interno ao longo de toda a cadeia de valor, mas também no âmbito externo, com o exercício político de debater e construir políticas públicas que garantam a dignidade de trabalhadoras e trabalhadores.
O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e os consequentes compromissos que devem ser assumidos pelas empresas e monitorados pelo InPACTO traçam uma rota que pode levar à transformação da realidade, desde que trilhada com passos firmes e a devida diligência.