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24 de março de 2023

O resgate de trabalhadores no festival Lollapalooza e a responsabilidade das empresas na promoção do trabalho decente em grandes eventos.

Na última terça-feira, dia 21/03, uma fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, resgatou cinco trabalhadores em situação análoga à escravidão nas dependências do festival de música Lollapalooza. O festival acontecerá nos dias 24, 25 e 26 de março de 2023, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo.

 

Os trabalhadores, que tinham entre 20 e 30 anos, foram contratados como carregadores de bebidas pela Yellow Stripe, empresa terceirizada, contratada para prestar serviços na logística de bebidas para o evento.

 

Segundo relatos dos auditores fiscais presentes na operação, os cinco trabalhadores estavam atuando sem registro trabalhista. Após a fiscalização, a prestadora de serviços apresentou contratos de trabalho intermitentes com assinaturas dos empregados, porém não foram encontrados registros no eSocial. 

 

Submetidos a jornadas de 12h diárias (acima da carga horária permitida por lei), ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs) e sem fornecimento de produtos de higiene, os trabalhadores também foram obrigados a dormir no local após o carregamento, com objetivo de fazer a segurança das mercadorias. O fato de trabalhadores estarem dormindo nas dependências do festival foi o que chamou a atenção da fiscalização.

 

Em depoimentos dados à ONG Repórter Brasil, os trabalhadores afirmaram que a dupla jornada não havia sido prevista no momento da contração. Os trabalhadores haviam sido informados que seriam acomodados em locais próprios para hospedagem durante o período do evento, no entanto, foram orientados a dormir em cima de caixas de papelão e paletes colocados no chão das tendas que servem como pontos de estoque e abastecimento para as bebidas distribuídas no festival. 

 

Frente a ausência de condições básicas de higiene e segurança, alojamentos precários, jornadas exaustivas e a limitação de circulação dos trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo abriu, no dia de 22 de abril, um procedimento para investigar o caso de trabalho degradante na preparação do festival.

 

De acordo com a T4F, dona do festival aqui no Brasil, trabalham diretamente no local do evento mais de 9 mil pessoas e são contratadas mais de 170 empresas prestadoras de serviço. A empresa publicou um posicionamento após a fiscalização, afirmando seu compromisso com as condições de todos os trabalhadores envolvidos no evento e tomou medidas para romper relações jurídicas com a terceirizada. 

 

Casos como este pedem uma reflexão sobre as condições de trabalho em grandes eventos.

 

A Yellow Stripe e a T4F foram notificadas pelas autoridades e serão responsabilizadas pelo ocorrido. Apesar disso, o caso reforça o debate sobre a necessidade de garantir condições de trabalho dignas em grandes eventos.

 

O próprio Lollapalooza, que é hoje um dos mais importantes festivais de música do país e conta com patrocínios milionários de marcas e empresas, já foi alvo de outras denúncias feitas ao Ministério Público do Trabalho. As denúncias ocorreram em 2018 e 2019, e apontaram para possíveis casos de exploração de mão-de-obra por parte de empresas envolvidas em sua preparação.

 

A frase de Livia Ferreira dos Santos, uma das auditoras fiscais que participou do recente resgate, aponta para uma situação estrutural que se repete:

 

“A situação que a gente presenciou é emblemática para entender as raízes do problema do trabalho análogo ao de escravo no país. O grande abismo socioeconômico brasileiro provoca esse contraste e deixa algumas pessoas vulneráveis ao trabalho escravo, enquanto outros podem pagar mais de R$ 1.000 em ingressos para um show”.

 

O festival não é o único, grandes eventos culturais e esportivos já foram denunciados por submeter trabalhadores a condições degradantes, dentro e fora do Brasil.

 

Ausência de devida diligência relativa ao risco de cada setor

 

Frequentemente, notícias de trabalhadores em situação degradante estão associadas aos setores produtivos, como o setor têxtil, agropecuária, construção civil, entre outros. No entanto, a exploração da mão-de-obra que coloca indivíduos em situação de vulnerabilidade e condições precárias para exercer suas funções se faz presente em diferentes esferas. Entre elas, está o entretenimento.

 

O caso evidencia a necessidade de devida diligência consistente no dever legal das empresas de avaliar, investigar, capacitar e assegurar o cumprimento da legislação trabalhista, atuando com responsabilidade sobre o monitoramento de sua cadeia de fornecimento. Ações de responsabilização que precisam estar presentes em todos os setores que empregam mão-de-obra, independentemente de sua função ou nicho de atuação.

 

Qual o risco envolvido para marcas e empresas que patrocinam grandes eventos?

 

Avaliar riscos e tomar medidas de prevenção não é apenas uma obrigação das empresas para com seus fornecedores e prestadores de serviços. O ocorrido deixa claro que também é preciso conhecer os riscos envolvidos no patrocínio de eventos, sejam eles culturais ou esportivos. 

 

Ao passo que patrocinar eventos se tornou uma ferramenta estratégica de marketing para organizações e marcas, é preciso que essas empresas desenvolvam e aprimorem dispositivos éticos e transparentes de mapeamento e gerenciamento de riscos, fazendo avaliações rigorosas como pré-requisitos para aprovação de patrocínios.

 

Essa também pode ser uma ferramenta importante de combate ao trabalho escravo, reforçando o papel das empresas nas diferentes frentes para uma atuação socialmente responsável e comprometida com a promoção do trabalho decente. 

 

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